Título: PT prega intervenção no Banco Central
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Nacional, p. A9

Documento reservado do PT sobre Conjuntura, Tática e Política de Alianças para a campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prega a intervenção no Banco Central num eventual segundo mandato petista, que terá o desafio de construir "um Brasil pós-neoliberal". Mais: destaca que, a partir de 2007, o social será o "carro-chefe do governo", com hegemonia da esquerda sobre os ministérios da área, e critica a gestão Lula por ter ficado "prisioneira", até hoje, do discurso da Fazenda e do Banco Central.

Um segundo texto, com diretrizes para a elaboração do programa petista, admite que a obra do governo Lula ainda é "parcial, desigual e incompleta". "Foi insuficiente (nem daria tempo!!!) para mudar de conjunto a realidade social aflitiva do País", diz um dos trechos. A ênfase é para a necessidade de um novo mandato com "inflexão" no discurso do governo.

Os dois relatórios, obtidos pelo Estado, serão apresentados na reunião do Diretório Nacional, dias 18 e 19, em São Paulo. Preparados por comissões formadas por integrantes de várias tendências, os documentos servirão de subsídio para a plataforma de Lula à reeleição. São versões preliminares, que receberão emendas e terão de passar pelo crivo do diretório. Tudo o que ali for aprovado será submetido ao 13º Encontro Nacional do PT, no fim de abril.

"(...) Em nosso segundo mandato, o Banco Central incluirá entre seus objetivos, além da moeda, o crescimento e o emprego", diz o texto sobre conjuntura, escrito pelo secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, no qual se lê "proibida a circulação".

"O período 2003-2006 deve ser entendido como o de uma transição necessária de um velho Brasil para um novo projeto nacional de desenvolvimento", sustenta o documento redigido por Marco Aurélio Garcia, assessor especial de Lula. Vice-presidente do PT, Marco Aurélio diz que "o último ano deste governo deve ser entendido como o primeiro ano do próximo".

DEVASSA E ALIANÇA

Os calhamaços chegaram ao Palácio do Planalto e causaram preocupação pelo "alto teor de radicalidade" no que se refere à condução da economia, segundo definiu um ministro. Criticam o Banco Central, que recorre a altas taxas de juros como "solução" para o controle da inflação, o elevado superávit primário e observam que a política econômica "encobriu" os aspectos positivos do governo. São, na prática, o oposto do que o PT defendeu na Carta ao Povo Brasileiro, de junho de 2002.

As análises dos petistas abordam o "duro golpe" da crise de 2005 e pregam o confronto político-ideológico com o PSDB nesta temporada eleitoral. Marco Aurélio afirma que, se o candidato do PSDB for o prefeito José Serra, a campanha tucana adotará discurso "profundamente conservador", com críticas à política econômica e "acenos desenvolvimentistas".

Pomar, por sua vez, condena o governo Lula por não ter feito "nenhuma devassa" contra a administração do ex-presidente Fernando Henrique. Além disso, diz que essa atitude amistosa em relação ao PSDB só trouxe prejuízos ao PT e ao Planalto. "A decisão de não realizar a devassa, os cuidados tomados na composição do ministério (...), o tratamento concedido aos setores empresariais, a política de boa vizinhança com os grandes meios de comunicação, a atitude frente à direção do PSDB não alteraram a conduta dos tucanos: as recentes declarações de FHC, segundo o qual a 'ética do PT é o roubo', são uma demonstração do baixo nível da oposição".

Para a comissão petista que trata da política de alianças, o casamento de Lula com PTB, PP e PL, além dos efeitos colaterais no campo da ética, construiu uma "maioria congressual instável", sem hegemonia política. A proposta "preferencial" do grupo é de coligação no primeiro turno com partidos de esquerda (PC do B e PSB) e "alianças sociais com movimentos e setores democráticos".

De qualquer forma, o documento menciona vários cenários e admite a possibilidade de alianças com siglas que integram a base do governo, mesmo as envolvidas no escândalo do mensalão. Observa, ainda, algumas "incógnitas" no horizonte. Na lista do imponderável cita o desfecho da novela sobre a verticalização das alianças, regra que obriga os partidos a reproduzirem nos Estados a parceria para a disputa presidencial, e a prévia para a escolha do candidato do PMDB, dia 19.

TRECHOS DOS DOCUMENTOS RESERVADOS DO PARTIDO

Direita - "O avanço da direita deveu-se, em certa medida, a opções políticas equivocadas do nosso partido e governo. Esses erros vão desde a contratação de R$ 20 milhões em shows até a promiscuidade com personagens que funcionavam como caixas de campanha para o PSDB"

Carro-chefe - "Mesmo que haja controvérsia, dentro do PT, sobre o espaço da área econômica, está claro que um segundo mandato deve conferir à área social a condição de carro-chefe do governo. Esta opção 'economicista' fez parecer que o Ministério da Fazenda era o pilar central, competindo inclusive com o presidente eleito"

Alternativa - "Tendo conduzido a transição de um paradigma neoliberal para outro padrão de desenvolvimento, a obra do governo Lula é ainda parcial e incompleta. Foi insuficiente (nem daria tempo!!!) para mudar a realidade do País"

Adversários - "O perfil dos pré-candidatos sugere uma candidatura PSDB-PFL que tentará articular discurso profundamente conservador com críticas à política econômica e acenos desenvolvimentistas, sobretudo se for Serra"

Impotência - "O partido não foi capaz de construir um discurso de apoio ao governo e manter sua independência. Ficou impotente e perplexo quando membros da executiva enveredaram pelo caminho da aventura, tentando, de forma temerária, construir uma base de sustentação a partir de prebendas de partidos aliados"

Juros - "Taxas de juros elevadas foram as únicas soluções do BC contra a inflação. As metas de inflação foram definidas de forma unilateral pelo BC, que tem de submeter-se mais à sociedade. Não pode ser apenas guardião da moeda, mas instituição preocupada com o crescimento e o emprego"