Título: Ideologia ou estética?
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Nacional, p. A15

Coerente com sua posição de esquerda, o presidente Lula foi contra uma tradição britânica. Ideologia ou estética? Só Lula e seu cerimonial podem responder o que os levou a preferir um sisudo terno preto para o banquete oferecido pela rainha da Inglaterra no Palácio de Buckingham.

Reza a etiqueta que white-tie é o uniforme de rigueur para ocasiões formais como esta. White-tie é um termo que vai além da gravata branca. Implica a casaca de abotoamento duplo (usada sempre aberta) sobre colete curto branco e gravata borboleta branca - ambos de algodão. É usado praticamente da mesma maneira desde 1860 e o duque de Edimburgo, marido da rainha da Inglaterra, domina seu código com total elegância e savoir-faire. Deveria ser o sonho de consumo de todo homem: ter oportunidade e poder para usá-lo. Aliás, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso soube aproveitar sua vez quando esteve em Buckingham.

Claro que o branco sobre a barriga tende a realçá-la ainda mais. Mas o presidente Lula está visivelmente mais magro e poderia se arriscar. O colarinho alto e duro da camisa também não favoreceria o pescoço curto do presidente, assim como o rabo da veste encurtaria ainda mais sua pequena estatura. Ainda assim, parece vaidade demais que tenha sido apenas por isso - e, convenhamos, ele nem parecia à vontade em seu terno preto.

Uma boa saída seria à moda dos líderes africanos que seguem a própria tradição e vestem sua melhor túnica de gala nestas situações. Ou como Gandhi, líder da paz. Assim o encontro entre diferentes Estados e culturas fica evidente. Mas o que Lula poderia escolher: tanga e cocar?

O Brasil é filho da Europa, na cultura e na roupa. A túnica de gala de um chefe de Estado brasileiro é o terno, essa invenção democrática da sociedade burguesa. De terno, o almoxarife da mais pobre repartição pública e o chefe de Estado do Primeiro Mundo se assemelham - pelo menos teoricamente - e reduz-se a distância que os separa.

Talvez Lula temesse se sentir numa fantasia de Mickey em jantar de gala com Walt Disney. Ao aderir ao protocolo, ele estaria aderindo também à aristocracia monárquica - o que num ano eleitoral poderia indicar que ele virou a casaca...