Título: Via Campesina destrói 1 milhão de mudas e depreda laboratório no Sul
Autor: Elder Ogliari
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Nacional, p. A16

Um grupo de cerca de 2 mil mulheres ligadas à Via Campesina invadiu um horto florestal da Aracruz Celulose, destruiu estufas, inutilizou pelo menos 1 milhão de mudas de eucalipto e depredou um laboratório de melhoramento genético de plantas ontem de madrugada, em Barra da Ribeiro, 60 quilômetros ao sul de Porto Alegre.

A operação, promovida para marcar o Dia Internacional da Mulher , foi cuidadosamente organizada. As manifestantes chegaram às 5h30, renderam dois vigilantes e os trancaram em um dos 37 ônibus que utilizaram para ir até o local. Em seguida rasgaram plásticos e telas das estufas com facas caseiras amarradas na ponta de taquaras e saíram, meia hora depois, para participar de uma marcha na capital gaúcha. O total dos prejuízos não foi calculado, mas só o laboratório estava avaliado em US$ 400 mil. A porta-voz da Via Campesina, Luci Piovesan, disse que o ato representa "a indignação das mulheres do campo" pelos incentivos que o governo dá ao agronegócio e à indústria da celulose.

EFICÁCIA

Ao chegar ao local, o gerente florestal da Aracruz, Renato Rostirolla, surpreendeu-se com a objetividade das invasoras. Elas cortaram os dutos de irrigação e atacaram exatamente a área de expedição, de onde sairiam carregamentos de mudas já prontas para as plantações, e o laboratório, onde destruíram equipamentos e misturaram sementes que estavam em testes.

"Há trabalhos de 20 anos de melhoramento genético que foram perdidos", contou ele. A pesquisadora Isabel Gonçalves interrompeu férias para conferir o estrago e não conteve as lágrimas ao ver o esforço de vários anos destruído.

Para Rostirolla, as acusações feitas pelas camponesas são infundadas. Ele explicou que as plantações de eucaliptos, pinus e acácias ocupam apenas 0,7% do território gaúcho. A Aracruz é líder mundial na produção de celulose branqueada de eucalipto e estuda a aplicação de US$ 1,2 bilhão na construção de uma nova unidade com capacidade para 1 milhão de toneladas por ano. De tarde, as invasores já estavam em Porto Alegre, onde se juntaram a mais mil homens de outros movimentos, em uma marcha pelo Dia Internacional da Mulher.

"BANDIDAGEM"

A destruição do viveiro e do laboratório foi condenada pelo ministro do Desenvolvimento e Reforma Agrária, Miguel Rossetto. "Isso não tem nada a ver com reforma agrária", disse ele, numa rápida saída da Conferência Internacional sobre Desenvolvimento e Reforma Agrária, que preside, em Porto Alegre. O governador em exercício do Estado, Antônio Hohlfeldt (PMDB), qualificou o ato de "provocação e bandidagem".

Em entrevista, Hohlfeldt disse que desconfia de que alguma instância da área federal de segurança tenha sonegado informações - pois caberia à Polícia Rodoviária Federal monitorar a movimentação da Rodovia BR-116, por onde os ônibus transitaram. A Polícia Rodoviária alegou que os 37 ônibus trafegaram por estradas secundárias e por isso não foram vistos.

O governador prometeu que as invasoras serão responsabilizadas. A polícia gaúcha está identificando placas dos ônibus, motoristas e autorizações para viagens para chegar aos comandantes da ação. "Não vamos aceitar que gente de fora venha nos dizer o que deve ser feito aqui", disse o substituto de Germano Rigotto. Hohlfeldt também convocou empresários do setor florestal para lhes garantir todo o apoio do Estado para seus investimentos.

Também ontem, a Brigada Militar (a Polícia Militar gaúcha) barrou o deslocamento de 300 sem-terra que iam de um acampamento da Fazenda Coqueiros para a sede da fazenda, perto dali. Os sem-terra alegam que era uma celebração pelo Dia Internacional da Mulher e 15 pessoas ficaram feridas.