Título: Contra alerta de Cheney, Irã promete 'dano e dor'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Internacional, p. A18

Menos de 24 horas depois de o vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, ter afirmado que o Irã sofreria "conseqüências graves" por sua insistência em manter seu programa de enriquecimento de urânio - ao arrepio de suas obrigações internacionais -, Teerã revidou ontem. O país avisou que imporá "dano e dor" aos EUA se Washington convencer os demais membros do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas a impor-lhe sanções, em represália à retomada das atividades de enriquecimento do programa atômico iraniano.

"Os Estados Unidos podem ter poder para causar dano e dor mas são também suscetíveis ao dano e à dor", afirmou Javad Vaidi, funcionário da área de segurança do governo islâmico e principal delegado do país na reunião na qual a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) decidiu submeter o programa nuclear iraniano ao exame do CS. "Se os Estados Unidos desejam escolher esse caminho, deixe a bolar rolar", disse Vaidi.

Para reforçar a tese da ameaça iraniana, o delegado dos EUA na AIEA, Gregory Schulte, alegou ontem que o Irã "tem material nuclear suficiente para fabricar até dez bombas atômicas".

O diretor da AIEA, Mohamed el-Baradei, se apressou a pedir que os líderes iranianos e ocidentais "abaixassem a retórica" . "O que precisamos agora,nesta fase, é uma atitude de cabeça fria. O Oriente Médio é uma área muito volátil", afirmou Baradei.

Em New Orleans, onde acompanhou o presidente George W. Bush durante visita à zona do Golfo do México atingida pelo furacão Katrina, no ano passado, o porta-voz da casa Branca, Scott McClellan disse que "declarações de provocação apenas isolam ainda mais o Irã do restante do mundo".

Existe, porém, no governo americano, uma clara consciência e real preocupação sobre a capacidade de Teerã de causar consideráveis prejuízos, especialmente no Iraque, onde dezenas de milhares de soldados americanos já enfrentam um quadro próximo a uma guerra civil entre árabes xiitas e sunitas e curdos. Na terça-feira, o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, acusou Teerã de interferência no Iraque. "Eles (os iranianos) estão atualmente pondo pessoas no Iraque para fazer coisas prejudiciais ao futuro do Iraque", disse Rumsfeld.

"Sabemos disso e é algo que eles, penso, verão no futuro como um erro de julgamento". Segundo Rumsfeld, Teerã estaria aproveitando as peregrinações a templos xiitas, que é o ramo do islã predominante nos dois países, para infiltrar forças de elite Quds, da Guarda Republicana iraniana, em território iraquiano. "Não acho que possamos considerá-los peregrinos". Ontem, o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack, insistiu no assunto.

Prevendo exatamente a intensificação da colaboração entre militantes xiitas do Iraque e do Irã, em conseqüência da confrontação em torno do programa nuclear iraniano, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, já havia pedido na terça-feira, numa entrevista a uma TV pública americana, para o governo Bush esfriar a retórica.