Título: Agência envia caso do Irã à ONU
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Internacional, p. A18

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) concluiu ontem, em Viena, três dias de reuniões sobre o programa nuclear iraniano com a decisão de enviar ao Conselho de Segurança (CS) da ONU um relatório para possível ação punitiva contra o Irã. Segundo uma autoridade americana, o CS deve reunir-se na segunda ou terça-feira para examinar a questão.

O envio do informe ao CS era previsível, já que o Irã não atendeu à recomendação da AIEA, expressa numa resolução em fevereiro, de congelar seu programa de enriquecimento de urânio. Mesmo assim, ainda havia a expectativa de um acordo de última hora. O Irã não se mostrou, contudo, disposto a ceder. Pelo contrário: enfatizou que busca o uso pacífico da energia nuclear e ameaçou acelerar, em escala industrial, o enriquecimento de urânio.

O relatório, apresentado pelo diretor da AIEA, Mohamed el-Baradei, diz que o Irã começou a colocar gás de urânio em centrífugas, como primeiro passo num processo que pode produzir combustível para reatores nucleares ou material para bombas. Isso contraria a resolução de fevereiro. O texto ressalva que os inspetores não puderam confirmar se o país está buscando de fato desenvolver armas atômicas - como acusam os EUA, europeus e Israel.

Antes mesmo de confirmado o envio do relatório ao CS, Irã e EUA voltaram a trocar ameaças (ler abaixo), num autêntico clima de guerra fria que levou Baradei a pedir moderação.

Nas próximas semanas, o CS deve usar seu peso para persuadir o governo iraniano a suspender seu programa de enriquecimento de urânio e cooperar plenamente com a AIEA. Não se espera a aplicação de sanções. Rússia e China se opõem à adoção de medidas duras contra o Irã, defendidas em maior ou menor grau pelos EUA, França e Grã-Bretanha. Essas cinco potências são membros permanentes do CS, por isso têm direito de vetar resoluções. O mais provável é a aprovação de uma advertência, seguida de um longo processo diplomático, que pode levar até um ano, antes de o CS avaliar algum tipo de sanção - algo como restrições para viagens de líderes iranianos e suas famílias e congelamento de contas bancárias.

O chanceler russo, Serguei Lavrov, deixou claro que a aplicação de sanções não seria eficaz para convencer o Irã a limitar suas ambições nucleares - numa indicação de que a Rússia poderá usar seu poder de veto. "Não acho que sanções como meio de resolver uma crise tenham alguma vez atingido sua meta na história recente", disse Lavrov. Ao contrário dos EUA, que não têm relações diplomáticas com o Irã e o consideram uma ameaça a sua segurança, a Rússia tem fortes vínculos comerciais com Teerã.

O que ninguém quer, dizem diplomatas e analistas, é a repetição do embargo comercial imposto por 12 anos pela ONU ao Iraque, que só fez piorar as condições de vida da população, ou a adoção de ações militares como a dos EUA no Iraque.

Além do mais, apesar de o Irã ter enfatizado que não pretende usar o petróleo como arma (ler destaque), há o temor de que, sob ameaça de sanções, acabe fazendo isso.

O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, previu ontem que o Irã mencionará o recente acordo de cooperação nuclear dos EUA com a Índia como prova de que é discriminado. Isto porque, o Irã não tem armas atômicas e está comprometido com o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Já a Índia, Paquistão e Israel não assinaram o tratado e possuem arsenal nuclear. Além disso, o acordo dos EUA, também signatários, com a Índia contraria o TNP, pois contribui para a proliferação nuclear.