Título: Força de paz deve permanecer
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2006, Internacional, p. A21

Previsão é de extensão de mandato por 1 ano, para garantir segurança e reconstrução do país

Depois das eleições, o desafio será a reconstrução do país mais pobre da América Latina.

As tropas da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), cujo mandato termina em 15 de fevereiro, terão de permanecer mais alguns meses no país. Isso depende de autorização do Conselho de Segurança da ONU, que provavelmente prorrogará a permanência da força de paz por mais um ano.

"Isso deverá ser negociado com o novo governo", disse o gaúcho Ricardo Seitenfus, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Maria (RS) e observador do governo brasileiro nas eleições. Em sua avaliação, serão necessários alguns anos de cooperação internacional, após a retirada das tropas, para o desenvolvimento socioeconômico do país. "O desafio não é estar no Haiti, mas como estar no Haiti", adverte. "Depois de organizar as eleições, a comunidade de países amigos terá de ajudar os haitianos a recuperar a soberania de seu país". Sem as tropas da ONU, observa Seitenfus, voltaria a ditadura, "pois, a essa altura, o narcotráfico já teria ocupado o poder".

Embora lamente a presença estrangeira no país, o senador Gérald Gilles, da direção do Família Lavalas, partido de Aristide, admite que haveria esse risco. "Se a força militar saísse, o Haiti explodiria em dois dias", afirma. "E, se Aristide voltasse, seria o caos político", acrescenta. Segundo ele, o presidente deposto tem carisma e admiradores, mas não seria aceito pela maioria da população. "Até Jean-Claude Duvalier (o Baby Doc, deposto em 1986) poderia voltar, mas não Aristide".

Nenhum candidato prega abertamente o retorno de Aristide. O favorito nas pesquisas, o ex-presidente René Préval, lançado pelo movimento Esperança com apoio do Lavalas, declarou-se contra a reintegração política de seu antigo aliado. "Não seria conveniente", argumentou, supostamente para tranqüilizar os eleitores que, em especial na pequena, mas atuante oligarquia haitiana, temem que autorize a volta de Aristide. Asilado na África do Sul desde a deposição, dois anos atrás, o ex-presidente não expressou apoio a nenhum candidato.

"A decisão de retornar ao Haiti vai depender de Aristide, a quem cabe avaliar os riscos que corre", disse outro candidato bem colocado nas pesquisas, o também ex-presidente Leslie Manigat. A não ser que fosse beneficiado por anistia, Aristide poderia ser preso e ter de responder na Justiça pelas acusações levantadas contra ele. Odiado pelos políticos e ex-militares que o derrubaram, o ex-presidente conta com apoio popular, especialmente nos bairros mais pobres, como Bel Air, Carrefour e Cité Soleil, onde cartazes lembram sua figura e seu nome por toda parte.

A estabilização supõe a organização de uma força de segurança capaz de substituir, as tropas da Minustah. Além disso, uma das prioridades defendidas pelos países doadores - Canadá, EUA, França e, em bloco, a União Européia - é a reestruturação da máquina do Estado, hoje desmantelada.