Título: Candidato pré-mensalão, Jobim perde lugar na corrida eleitoral
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2006, Nacional, p. A10,11

Presidente do Supremo se coloca fora da campanha, mas decisões favoráveis a Lula provocam dúvidas

Entre o Congresso e o Planalto, o ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), tem feito movimentos políticos considerados desengonçados. É visto como um ator que ficou sem personagem no meio do espetáculo da sucessão presidencial.

Jobim tomou posse como presidente do supremo em junho de 2004, quando a popularidade de Lula estava no auge. Na mesma hora, avisou assessores que ficaria dois anos no cargo e depois deixaria o STF - no primeiro semestre de 2006, prazo que teoricamente lhe permitiria comprar ingresso numa caravana presidencial. Chegou a ser lançado como presidenciável por um colega de partido e passou a receber mensagens sedutoras de emissários do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, insinuando que uma chapa Lula-Jobim seria imbatível.

Hoje, com a saída do STF marcada para março, o próprio Jobim repete em conversas privadas que não é candidato a presidente nem a vice. "Essa hipótese não se cogita, não me interessa e não vai ocorrer", disse o presidente do STF a um interlocutor, na sexta-feira, num discurso que não deixa margem a dúvidas (ver reportagem na página seguinte). Lula enfrenta uma campanha difícil pela reeleição e o Planalto tem certeza de que Jobim adoraria ocupar a vaga de vice na chapa - mas não sabe se fará bom negócio se aceitar a oferta. Descrito por um assessor do Planalto como um "aliado que não alia", Jobim é tratado por Lula com a elegância que seu cargo permite - e os interesses do governo exigem, num baião metalúrgico que alimenta ambições e vaidades.

"A candidatura do Jobim a vice interessava ao PMDB quando a reeleição parecia uma barbada", afirma o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). "Com a crise, o PMDB se afastou e pode até lançar um candidato próprio. Não acredito que este nome seja o Jobim", acrescenta o senador . O próprio presidente do STF partilha dessa avaliação.

MÁQUINA

Após quatro eleições em que os vices chamaram a atenção pela desimportância, Lula gostaria de um colega de chapa que tenha matéria-prima de primeira necessidade: tempo na TV e máquina política para trazer governadores, prefeitos e, acima de tudo, votos. Jobim não é político de muitos eleitores. Foi um deputado federal de duas campanhas difíceis - a última em 1990 - e o prestígio do Supremo não chega a ser um grande trunfo, já que apenas um terço dos brasileiros confia na Justiça, dizem as pesquisas de opinião. "É o mesmo índice de eleitores que o Lula já tem sozinho", define um estudioso do tema.

O problema de Jobim reside na clássica dificuldade entre o que se diz e se faz. Mesmo dizendo que não é candidato, seu comportamento gera inseguranças e dúvidas, traduzidas numa interpelação duríssima assinada por dezenas de personalidades divulgada na semana passada, exigindo que esclareça se tem planos políticos, afinal. Jobim não vai responder ao questionamento. Está convencido de que a primeira resposta seria seguida de uma nova pergunta, depois de uma terceira e uma quarta, num constrangimento sem fim.

O prefeito José Serra, tão amigo de Jobim que é seu padrinho de casamento, costuma dizer que ele é um cidadão com muitos talentos e uma competência notável para se prejudicar: "é capaz de enxergar uma casca de banana, do outro lado da rua, e atravessá-la só para pisar e levar um tombo." Com um temperamento conciliador, Jobim orgulha-se de sua capacidade para aparar dificuldades e produzir soluções negociadas. Tirou da gaveta a reforma do Judiciário, que adormeceu por 12 anos. Ele ainda ajudou na montagem do controle externo do Judiciário e muitas vezes é atacado pelo motivo errado, pois assumiu a luta contra os privilégios da corporação.

PAPEL

Convencido de que tem o papel político de proteger a governabilidade, que traduz na harmonia entre os Poderes, Jobim diz que consolidou uma rotina de paz e conciliação em Brasilia. Isso seria ótimo - desde que não envolvesse uma rotina onde ocorrem cenas estranhas, como a interpelação de ministros que discordam do presidente nas sessões do Supremo. Em conversas informais, integrantes do governo admitem que Jobim é visto como uma mão amiga em horas difíceis.

Na semana passada ele aceitou liminares que impedem a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico de Paulo Okamotto, o amigo de Lula que saldou uma dívida de R$ 29 mil, e de Roberto Carlos da Silva Kurzweil, empresário investigado pelo transporte dos dólares cubanos para a campanha de Lula. Ainda que se possa dizer que a CPI dos Bingos é um ninho de adversários políticos do Planalto, que nada descobriram contra Okamotto, vale argumentar que, na condição de presidente do Sebrae, entidade que movimenta verbas milionárias , ele é dirigente de órgão público, onde a transparência nem deveria ser compulsória - mas voluntária desde o primeiro dia. Já Kurzweil é sócio de empresários que exploram o jogo no País. "Por que não investigá-lo?", questiona Álvaro Dias.

O senador paranaense é autor de projeto de emenda constitucional determinando que liminares que envolvam investigação do Congresso só possam ser julgadas pelo plenário do tribunal. Para Dias "as decisões do plenário jamais seriam questionadas pelo Congresso. Já as decisões de um ministro são individuais e podem gerar todo tipo de dúvida e especulação". O próprio Álvaro Dias não personaliza seu projeto, mas, entre os 30 parlamentares que assinaram a proposta, há quem a chame de PEC-Jobim.

CONVICÇÕES

Jobim diz que age de acordo com as próprias convicções. Ele tem argumentos e é fato que nem sempre os advogados das legendas de oposição concordam privadamente com aquilo que os líderes oposicionistas dizem na tribuna. O deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF), que é amigo de Jobim, diz: "Quando o Supremo obrigou a formação da CPI dos Bingos, se disse que agia por motivos patrióticos. Mas quando afirma que é preciso indícios concretos para entrar na vida privada de uma pessoa - pois é isso o que ocorre na quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico - é acusado de fazer política." Álvaro Dias rebate: "Os direitos individuais são protegidos. Mas o interesse público é prioritário."

Há certas cenas que ficam além do saber específico e do juridiquês. Imagens da semana mostraram o encontro de Jobim com Lula na reabertura do ano judiciário. As fotos registram o presidente da República, dando um tapa nas costas do chefe do Supremo com a naturalidade de quem encontra um velho conhecido num estádio de futebol. O próprio Jobim, contudo, não se limita a responder ao cumprimento. Faz gestos de quem quer agradar, numa mistura de simpatia exagerada e tensão.