Título: Lições do Abismo
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2006, Nacional, p. A6

O alto comando do PSDB, Fernando Henrique à frente, acha perfeitamente possível derrotar o presidente Luiz Inácio da Silva, mas nem por isso considera a vitória uma fava contada. Primeiro, porque sabe melhor do que ninguém a força de um governo, por mais combalido que esteja.

Em segundo lugar, os mais experientes não menosprezam a capacidade do partido de fazer bobagem e repetir - com a agravante de estar fora do poder - a campanha atrapalhada de 2002. O peso governamental é tão significativo que, com todos os percalços, o candidato oficial, José Serra, chegou ao segundo turno.

Embora não se impressionem excessivamente com a recuperação de Lula nas pesquisas - por achar que o público não se move aos supetões, não muda de opinião de uma hora para outra, ao contrário, vai firmando posição levando em conta o conjunto da obra -, o risco não é desprezado.

O perigo maior e mais iminente inclusive não diz respeito ao adversário nem ao eleitorado; o inimigo, por agora, reside em casa, é a briga interna. Por isso, a tarefa primordial dos cardeais do partido - FH, Aécio Neves e Tasso Jereissati - no momento é evitar que os defensores de José Serra e Geraldo Alckmin transformem a disputa pela indicação numa guerra sem sobreviventes.

O tema é uma verdadeira obsessão dentro do PSDB. A avaliação é a de que, se brigarem, perdem ambos. O filme já foi visto em 2002, quando Tasso Jereissati apoiou Ciro Gomes contra Serra, este manteve distância de Fernando Henrique, que, por sua vez, praticamente lavou as mãos.

A regra de ouro nessa fase é a unidade. Quebrada na largada, fica comprometido o desempenho futuro.

Outra questão são as alianças. Em 2002, o PFL seguiu caminho próprio, a entrega da vaga de vice ao PMDB não adiantou grande coisa e os partidos menores da base do governo quase todos correram para Lula assim que as pesquisas indicaram possibilidades de poder.

Desta vez, o cuidado com as alianças é pesado e medido com rigor. A amizade estreita com o PFL foi reconstruída e parte do PMDB está segura para um segundo turno (se a vida seguir o rumo previsto e não houver surpresas). A esquerda dividida confere certa tranqüilidade quanto a dispersão de votos nesse campo e os pequenos da linha fisiológica não têm jeito, são caso para mais adiante, vão aderir ao mais forte.

Isso, na política, mas há o fator sociedade que não pode, na visão dos tucanos, ser deixado a descoberto. Muitos estão francamente desapontados com o PT, mas nem por isso cairão por gravidade no colo do PSDB. Precisam ser trabalhados.

Serão necessários "acordos básicos", cuja execução, porém, depende da escolha do candidato para que sejam definidos seus termos. Mas os setores primordiais a serem cevados já estão mapeados: empresariado (rural e urbano), mercado financeiro, veículos de comunicação, forças religiosas, mundo da cultura, artistas, intelectuais, cientistas, a universidade em geral e, "não por medo, mas porque votam", os militares.

Cada um deles tem suas predileções em matéria de candidato tucano, mas existe, na interpretação do partido, muito de mitificação e equívoco nessas avaliações. Por exemplo, dizem os comandantes, alguns enxergam pendores esquerdistas inexistentes em Serra e outros subestimam a obstinação de Alckmin.

Todas as conversas, articulações de alianças, análises de pesquisas, a condução da estratégia da campanha, enfim, serão feitas em conjunto, com o comando e o candidato dividindo-se nas tarefas. De mangas arregaçadas, os olhos bem abertos e as armas em punho porque esse jogo não está ganho e o anterior, em tese mais fácil, foi perdido.

Puro sangue

Surge no PSDB a idéia de lançar uma chapa com vice do partido. Conta de custo-benefício: o PMDB não dará o vice, quer ter candidato, e o PFL vai ganhar a Prefeitura ou o governo paulista, sem contar o apoio a candidatos a governador.

Para o aliado o cargo não vale muito e, para o partido, o estilo puro sangue causa boa impressão.

Escalação

PT e PSDB escalam seus candidatos prediletos no PMDB.

Os petistas preferem Germano Rigotto e os tucanos ficam com Anthony Garotinho. O motivo é o mesmo: Garotinho tiraria votos de Lula.

"Cuisine"

Conversando dia desses sobre as declarações de Alckmin a respeito de suas identidades regionais - "sou baiano", "sou mineiro" -, Fernando Henrique foi lembrado de que fazia o mesmo quando candidato e também depois na Presidência.

- O senhor chegou a dizer que tinha um pé na cozinha - disse alguém.

- Francesa, naturalmente - acrescentou de pronto FH.

Mundano

Na linha da piada jamais perdida, na mesma roda o ex-presidente resumiu numa definição geral os atributos dos governadores de São Paulo e Minas Gerais.

"Ao Geraldo falta mundo; ao Aécio, sobra."