Título: Meses decisivos
Autor: Fernando Henrique Cardoso
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2006, Espaço Aberto, p. A2

A campanha eleitoral ainda não começou. Não mesmo? Ouvindo-se o presidente da República, tem-se a impressão de que sim. A cada dia um novo "espetáculo". Sem arrependimento pelo anúncio do fracassado espetáculo do crescimento econômico, agora trombeteia "o maior aumento do salário mínimo" desde 1985. Falso: em 1995, o aumento nominal foi de 42,9% e o real, de 21,8%, ao passo que o deste ano, dependendo ainda da inflação em 2006, poderá atingir, no máximo, 13%. Ainda assim, na média, ultrapassará por muito pouco o aumento real de salários dado no tempo do governo anterior. Será motivo para tanta comemoração, vinda de um governante que se propôs a dobrar o salário mínimo e que via com menoscabo o esforço de seu antecessor para, a despeito de toda sorte de crises, aumentar progressivamente o seu valor real?

Com uma diferença: o governo em 1995 estava começando, a mera estabilização da economia já proporcionava um poder de compra maior aos trabalhadores e havia tempo para se tomarem as medidas necessárias para equilibrar as contas da Previdência, uma vez que o salário mínimo afeta o piso das aposentadorias e pensões. Mesmo assim, foi um sufoco. Agora trata-se de governo em fim de mandato, em ano eleitoral, que, como se fazia no passado mais remoto, depois de arrochar o orçamento e os salários durante três anos, solta as rédeas apressadamente para ganhar discurso e dar dor de cabeça, de forma irresponsável, ao futuro governo, que terá de se haver com a explosão dos gastos correntes e com o estouro do déficit da Previdência. Que nome tem isso? Demagogia eleitoreira.

Tomei o caso do salário mínimo como exemplo. Há muitos outros mais. Ainda agora, graças às habilidades marqueteiras de Duda Mendonça, vem aí outra comemoração. Dessa vez cantarão vitória com o trabalho de gerações: a Petrobrás tornará o Brasil auto-suficiente em petróleo. A Petrobrás se beneficia de sua competência e, conjunturalmente, dos altos preços do petróleo. E todos os brasileiros estamos contentes com isso. Mas, infelizmente, o aumento da produção não foi acelerado na mesma proporção obtida pelo governo passado. "O boom de produção foi de 1997 a 2002", diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, na Folha de S. Paulo de 30/1. Segundo esse especialista, a média diária de produção de petróleo passou de 869 mil barris em 1997 para 1,5 milhão em 2002, o que corresponde a um crescimento médio anual de 12% por vários anos seguidos, enquanto no governo Lula a média anual tem sido de 5% durante não mais de três anos, o que nos fez, desacelerando o passo, atingir a marca de 1,8 milhão de barris somente em 2005. Perdemos tempo e cantaremos loas à suposta eficiência de um governo desastrado, para dizer o menos. Já deveríamos ter obtido a auto-suficiência. As plataformas que expandiram a exploração do petróleo, construídas ainda no governo anterior, a P-43 e a P-48, estão dando conta do recado e, diga-se, tanto essas plataformas como as que agora estão em construção têm a mesma proporção de equipamentos produzidos no Brasil: 40%.

Na maioria das áreas tem sido assim. Na reforma agrária, sob a chuva habitual de protestos do MST quanto ao modo de contabilização do número de assentados (contra o qual no passado o PT era o primeiro a fazer coro para tirar dividendos políticos), o governo desatou a fazer assentamentos para ultrapassar, em 2005, a marca dos cem mil, depois de dois anos morosos. Na média continuam "perdendo" do governo anterior. Mas esse é o problema: a hora não é de fazer mais do mesmo, mas de melhorar o já feito e inovar.

Como crianças brincando de quem é maior, os arautos do petismo governista se distraem e distraem a opinião pública com a obsessão de mostrar o "eu sou o melhor" na comparação com o governo anterior. Além de não ser verdadeiro em muitos casos, ou de ser o resultado natural da aceleração de programas que continuam (caso do Bolsa-Família, com as distorções conhecidas), é pouco, muito pouco para quem criticava tudo no passado e se dizia capaz de refundar o Brasil.

Não nos iludamos, porém. Lula e o governo não estão interessados em estatísticas. Querem apenas, pela força da repetição de slogans, fazer uma manobra publicitária com fins eleitorais, dirigida principalmente para os milhões de brasileiros que não dispõem de informações adequadas.

Nunca se viu tal desfaçatez: começar uma campanha antes da hora, usando os meios e os recursos públicos. Parte da mídia, talvez de boa-fé, reproduz acriticamente as bazófias governamentais e não dá voz ao "outro lado". A verdade nua e crua é que o presidente está em campanha, em flagrante desrespeito à legalidade, embora ainda diga não saber se será candidato...

Enquanto isso, as oposições, respeitando o calendário eleitoral, divergem sobre detalhes e muitas vezes dão a impressão ou de que confiam no "já ganhou", perigo mortal, ou de que há tempo para dizer ao País com mais força, como eu disse há mais de ano, que "o rei está nu". Cuidado, ele não é desprovido de senso e sabe vestir-se. Não o minimizemos, para o bem do Brasil. Com Lula subirão ao pódio outra vez todos aqueles que ele jamais repudiou, dos Delúbios e Valérios (pobres, sob seus nomes se escondem tantos outros) a toda a corte de amigos. Em nome da democracia, todos aplaudimos ver no exercício da Presidência um ex-trabalhador. Não sabíamos que se transformaria em representante da nova fração de classe formada pelos gestores pouco ortodoxos de dinheiro alheio, dos sindicatos e dos fundos de pensão.

Mas basta. Os desatinos foram muitos (salvo para os operadores dos mercados financeiros, ingurgitados de tantos juros). O País não tem por que pagar o preço de ter no poder por mais quatro longos anos alguém esquecido de sua classe de origem, descomprometido com tudo o que alardeou em sua trajetória e até mesmo crítico do partido de que foi fundador e pelo qual foi candidato presidencial quatro vezes.