Título: Anarquista na juventude, amigo de Aristide
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2006, Internacional, p. A12

Há duas semanas, Préval deu a entender que não impediria o retorno do líder deposto

Filho de um proprietário rural de Arbonite, departamento do norte do Haiti, René García Préval, de 63 anos, tentou ser fiel à tradição familiar em 1963, quando se asilou na Europa para fugir da ditadura de François Duvalier, o Papa Doc. Estudou Agronomia em universidades da Bélgica, mas desistiu da carreira antes de se formar.

De volta ao Haiti em 1975, depois de passar cinco anos nos Estados Unidos, participou de movimentos de resistência à ditadura de Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, até a queda do regime. Foi nessa época que se aproximou do padre salesiano Jean-Bertrand Aristide que, ao ser eleito presidente em 1991, o levou para o governo.

Anarquista na juventude, como gosta de lembrar, Préval se tornou um socialista de centro-esquerda no Família Lavalas, partido pelo qual se elegeu presidente em 1995, quando sucedeu a Aristide. Antes, foi seu ministro do Interior e da Defesa e primeiro-ministro.

Único presidente eleito a cumprir todo o seu mandato e entregar o poder a seu sucessor, René Préval governou entre os dois períodos de Aristide, a quem foi sempre fiel. Eram "dois irmãos gêmeos na política", como se costuma dizer na história recente do país. Fez uma administração popular e honesta, sem suspeitas de corrupção e arbitrariedades. Iniciou um projeto de reforma agrária e privatizou empresas públicas, numa linha que promete agora retomar.

Candidato pelo movimento Esperança, Préval chega a seu segundo governo com o apoio do Lavalas, do qual já havia se desligado. Subiu ao palanque da base aliada, mas evitou fazer referência a Aristide, que, como parecia evidente e lógico, sustentava sua candidatura. Em resposta a uma pergunta do Estado, quando recebeu jornalistas brasileiros em sua casa, na noite do dia 4, saiu pela tangente para dizer se permitiria a volta de Aristide ao Haiti.

"Nenhum cidadão haitiano precisa de visto para sair nem para entrar no país", lembrou, com base na Constituição de 1987. A partir dessa resposta, pode-se concluir que Préval nada faria para impedir o retorno de Aristide, assim como de Jean-Claude Duvalier, se eles resolvessem desembarcar em Porto Príncipe por sua conta e risco. Se for o caso, que se entendam com a Justiça.

René Préval - um homem cordato e afável, divorciado e pai de duas filhas - mora numa casa confortável, mas sem luxo, no bairro de Péguy-Ville, nas colinas de Pétion Ville, na área metropolitana de Porto Príncipe. Foi ali que, com a ajuda de Bob Manuel, seu braço direito na campanha, montou e discutiu com prováveis aliados o seu programa para os próximos cinco anos.

As prioridades desse plano, num governo popular e participativo, são a construção de uma infra-estrutura nos setores rodoviário e energético, a escolarização de todas as crianças e a garantia de condições para investimentos da comunidade internacional, que considera indispensável.