Título: Por 9 a 1, Supremo obriga tribunais a demitir parentes de magistrados
Autor: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2006, Nacional, p. A4

Somente o ministro Marco Aurélio Mello votou contra norma do CNJ que proibiu nepotismo na Justiça

Em decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ontem o fim do nepotismo nos tribunais de todo o País e barrou a onda de liminares que vinha garantindo a permanência de pelo menos 887 parentes de juízes contratados para cargos de confiança sem passar por concurso público.

Por 9 votos a 1, o STF concluiu que é constitucional a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determinou a demissão desses parentes até terceiro grau. Os ministros acolheram Ação Declaratória de Constitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que neutralizou pesada ofensiva contra a resolução antinepotismo.

Para o Supremo, a norma do CNJ está de acordo com os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa. Os parentes nessa situação devem ser demitidos e não podem ser expedidas mais liminares.

Nas últimas semanas, tribunais de 18 Estados acolheram ações movidas por apadrinhados que foram contratados sem concurso público. Muitos servidores admitidos pelo critério do apadrinhamento também recorreram ao STF.

A explosão de liminares intimidou o CNJ. Criado pela reforma do Judiciário (emenda 45 à Constituição), o conselho é formado por juízes, advogados, e procuradores. O presidente do STF também comanda o CNJ.

COLONIZAÇÃO

Durante o julgamento, que durou quase cinco horas, ministros do STF observaram que a prática do nepotismo existe no Brasil desde a época da colonização. O ministro Cezar Peluso lembrou que o termo está ligado historicamente à prática de alguns papas de nomear sobrinhos. Em italiano, sobrinho é nipote. "Não há dúvida que se trata de uma prática perniciosa", frisou Peluso.

Relator da ação movida pela AMB, o ministro Carlos Ayres Britto afirmou que deve prevalecer a impessoalidade no serviço público. "Não se pode confundir espaço caseiro com público. E tomar posse no cargo, não do cargo", defendeu.

"O mais facilitado acesso de parentes traz exteriores sinais de prevalência de parâmetros domésticos sobre os critérios de competência", disse Ayres Britto. "Não vejo como negar à prática do nepotismo uma ofensa direta ao princípio da impessoalidade", reforçou Peluso.

PRINCÍPIOS

O ministro Gilmar Mendes disse que o CNJ tinha competência para editar uma norma como a resolução antinepotismo. "Cabe ao conselho zelar pelo cumprimento dos princípios da moralidade e da impessoalidade", afirmou o ministro. "Não é de hoje que o nepotismo é uma prática condenada pela sociedade brasileira."

O ministro Celso de Mello disse que a atividade estatal está necessariamente subordinada a requisitos ético-jurídicos. "A resolução é fiel aos princípios da ética republicana. Não custa enfatizar que a concepção republicana de poder mostra-se absolutamente incompatível com prática governamental tendente a restaurar a teoria do Estado patrimonial", declarou o ministro. Ele disse que é ilegítima a apropriação da coisa pública por núcleos familiares.

Vice-presidente do STF, a ministra Ellen Gracie afirmou que o tribunal deu mais uma contribuição importante para a construção do "Estado democrático de direito verdadeiro", quando afastou "prática de natureza aristocrática, cujas origens podem ser encontradas nas raízes coloniais" do País.

Único ministro a votar contra a resolução, Marco Aurélio Mello concluiu que o CNJ legislou, o que não é possível. "A Constituição não deu ao conselho poder normativo."

Rodrigo Collaço, presidente da AMB e mentor da ação contra o nepotismo, lembrou que os tribunais terão de acatar a decisão do Supremo. "O STF é a última palavra em constitucionalidade. As pessoas podem ter posicionamento contrário, mas vai ficar no plano teórico."

Collaço não demonstrou preocupação com o fato de o ministro Nelson Jobim, presidente do STF, ter observado no julgamento que a AMB moveu ação de inconstitucionalidade do CNJ. "A AMB é a primeira a respeitar as decisões do Supremo."