Título: Impaciência com os juros
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2006, Notas e Informações, p. A3

O s empresários da indústria estão mais preocupados com os juros do que no ano passado, segundo a sondagem divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Têm excelentes motivos para isso. A mais esperada conseqüência da redução do risco Brasil ainda não apareceu. O indicador de risco vem caindo rapidamente há meses. Nas últimas semanas, despencou até níveis historicamente baixos, mas o custo do dinheiro continua nas alturas, como se o País estivesse ameaçado de severa instabilidade.

No relatório recém-distribuído, a FGV apresenta respostas de executivos da indústria a dois grupos de questões - sobre investimentos programados e sobre limitações ao crescimento econômico sustentado. As informações são comparadas com as do ano passado e, em alguns casos, com as de 2004, e isso dá uma idéia de como têm mudado a disposição e as preocupações de quem vive o dia-a-dia da produção e dos negócios.

As mudanças mais interessantes ocorreram na avaliação dos fatores limitantes do crescimento. A carga tributária continuou no topo das preocupações, apontada como principal obstáculo por 43% dos consultados. À primeira vista, nenhuma surpresa. Os altos impostos são, de fato, um dos maiores entraves permanentes ao avanço dos negócios e da economia. Mas esse fator havia sido apontado por 55% dos pesquisados, em 2005. Uma alteração tão grande chama a atenção, mas o mistério logo se desvanece.

No ano passado, os juros haviam aparecido como principal entrave ao crescimento em 19% das avaliações. Neste ano, a participação dessa resposta chegou a 33%. Foi um salto enorme e ocorreu, vale a pena acentuar, meses depois de iniciada a redução da taxa básica de juros. Essa mudança revela a impaciência dos empresários diante da lenta diminuição dos juros. Essa impaciência é alimentada, provavelmente, pela percepção da melhora nos principais indicadores de inflação, de solvência externa e até da situação fiscal, depois de mais um ano de robusto superávit primário.

O contraste entre a melhora dos indicadores e a lenta redução dos juros foi ressaltado, nos últimos dias, pela queda acentuada do risco Brasil, festivamente alardeada pelo governo. Não é mera casualidade que a sondagem recém-divulgada pela FGV mostre uma atenção maior ao problema do custo do financiamento. Há um ano, os juros apareciam pouco acima da infra-estrutura deficiente, na escala das preocupações dos empresários. A diferença era de apenas 2 pontos porcentuais, 19 contra 17. Na última sondagem, apenas 5% dos consultados apontaram a infra-estrutura como principal entrave e a diferença passou a ser de 33 para 5.

A infra-estrutura, no entanto, não melhorou de um ano para cá - não, pelo menos, em escala suficiente para justificar essa mudança de avaliação. Também o sistema tributário continua muito ruim, modificado apenas por umas poucas medidas de alívio fiscal. Se algo se alterou de forma significativa, só pode ter sido a avaliação dos estragos causados pelos juros numa situação em que as altas taxas não têm mais nenhuma justificativa.

Também cresceu a preocupação com o ambiente político interno, problema assinalado em 7% das respostas. Há um ano, esse fator aparecia com um peso de apenas 2%. Continua sendo pouco significativo, no conjunto, mas bem mais perceptível do que em 2005.

No conjunto, pouco mudaram as previsões de expansão da capacidade instalada. Para os triênios 2004-2006, 2005-2007 e 2006-2008 as previsões passaram de 18% para 19% e 18%, respectivamente. As maiores taxas trienais de expansão foram previstas para o segmento de material elétrico e de comunicações: 33% no período 2005-2007 e 36% para 2006-2008. Essa avaliação está associada, segundo o coordenador das sondagens industriais da FGV, Aloísio Campelo, à expectativa de demanda de telefones celulares.

Para o setor de máquinas e equipamentos, os entrevistados projetaram crescimento de capacidade de 17% no triênio 2005-2007 e 26% no período 2006-2008. Estas previsões são as mais otimistas. Mostram que os empresários continuam, apesar de tudo, apostando nas possibilidades de expansão da economia. Para ganharem a aposta, bastará o governo não atrapalhar muito.