Título: Os tucanos que se preparem
Autor: João Mellão Neto
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2006, Espaço Aberto, p. A2

As pesquisas de opinião apontam uma recuperação da imagem de Lula e de seu governo. Eu, pessoalmente, nunca achei que a campanha eleitoral deste ano seria um simples passeio para a oposição. Não gosto de reeleição. Como parlamentar, votei contra a minha vontade - por mera fidelidade partidária - na emenda constitucional que criou o direito de se reeleger aos titulares do Poder Executivo. Mesmo em democracias avançadas como a dos Estados Unidos, são poucos os presidentes que não conseguem obter um segundo mandato. A majestade do cargo deslumbra os cidadãos comuns. Além disso, o presidente fica, durante 4 anos, ocupando as principais manchetes dos jornais e da TV todos os dias e raros são os seus opositores que logram obter um décimo dessa publicidade. A luta é desigual. O presidente tem de ser muito ruim, péssimo mesmo, para lhe ser negado, nas urnas, o direito de obter um segundo mandato.

Embora a Constituição norte-americana fosse omissa quanto a isso, George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos, criou a tradição não escrita de permanecer no posto por apenas dois mandatos. Franklin Roosevelt resolveu quebrar a regra e se elegeu quatro vezes consecutivas. Morreu no cargo. Depois disso, o Congresso aprovou uma emenda constitucional proibindo que alguém - em mandatos consecutivos ou não - ocupasse o posto mais do que duas vezes. Azar de Clinton. Apesar de seu talento e de sua pouca idade, ele nunca mais poderá ser candidato a presidente. O direito de reeleger-se, volto a insistir, desiguala a disputa.

Mas voltemos ao nosso caso. Embora não o assuma, o presidente Lula é candidatíssimo à reeleição. E, além do fato de estar no exercício do cargo - o que lhe confere uma aura de respeitabilidade -, ele ainda possui poderosos trunfos a seu favor. Em primeiro lugar, somente ele pode contar com o "mito da Cinderela" - alguém que, saindo da miséria, logrou chegar ao Palácio. Em segundo lugar, ele se vale de um linguajar que, embora torcendo o nariz dos mais bem-educados, encanta o povo humilde, que enxerga nele um dos seus. E, por último e mais importante, ele conta com o Bolsa-Família, um programa que, entre beneficiários diretos e indiretos, lhe garante uma clientela fixa de uns 30 milhões de votos incondicionais.

Não é impossível vencer Lula, mas fácil tampouco o é. Seus opositores também têm trunfos e não há dúvida de que os usarão no transcorrer da campanha. O maior deles é a questão moral.

O povo, por menos instruído que seja, tem uma noção clara e intransigente do que é certo e do que é errado. Durante o período em que o escândalo do mensalão monopolizou o noticiário (de maio a novembro de 2005), os índices de popularidade de Lula despencaram. Como, desde então, nenhuma nova notícia surgiu, o presidente recuperou o prestígio que possuía antes da crise. Com toda a certeza, durante a campanha eleitoral a oposição se encarregará de trazer toda essa podridão novamente à tona. E o fará com competência, com a dramaticidade que só os marqueteiros sabem produzir. Lula e o PT de hoje não são mais os mesmos que venceram as eleições em 2002. Na ocasião, eles não tinham flancos morais pelos quais pudessem ser atacados. Agora é diferente. O PT, no poder, produziu o maior caso de corrupção sistêmica de que se tem notícia na História. E tudo isso vai ser relembrado durante a campanha.

Volto a insistir. Não é impossível vencer Lula. Mas, para tanto, são necessárias muita coragem e determinação. Os tucanos - seja com Serra, seja com Alckmin - têm de deixar de lado os seus escrúpulos acadêmicos e partir para uma luta de vale-tudo. Hão de combater o PT com a mesma disposição e veemência com que o PT os combateu no passado. Esta será uma guerra em que não se dará nem se pedirá quartel. Estarão os peessedebistas preparados para isso?

É bom que estejam. Pois os petistas não entregarão o poder com facilidade. Eles se valerão de todas as armas. E contarão com um exército de 800 mil determinados militantes para fazê-lo.

Se por acaso os tucanos pretendem se comportar na campanha com o mesmo comedimento e lhaneza com que agiram no desenrolar dos recentes escândalos, a guerra já estará perdida por antecipação.

O PSDB, por vezes, se assemelha à UDN das alas não-lacerdistas. Nas eleições presidenciais de 1945 e 1950, ela se dispôs a enfrentar as ferozes hostes getulistas com um cavalheirismo que beirava o patético. Uma bem-comportada classe média, trajando chapéu e terno de linho, comparecia aos estádios para aplaudir, comedidamente, um gentleman que atendia pelo nome de Eduardo Gomes. Suas palavras eram moderadas, suas atitudes também. O brigadeiro achava ser de mau tom criticar ou ofender os seus adversários. Ao final de seus discursos, a platéia o ovacionava, agitando os seus lencinhos brancos. Esses lenços entraram para o folclore político como o símbolo maior de como não se deve tocar uma campanha política. A UDN levou uma memorável surra nas duas eleições. E ainda apanhou numa terceira, em 1955, quando concorreu com o politicamente corretíssimo general Juarez Távora.

Os mui distintos cavalheiros udenistas só vieram a vencer em 1960, quando apoiaram para presidente o messiânico Jânio da Silva Quadros. Mas daquela vez era diferente. Jânio não era udenista. Muito ao contrário. Era um sujeito disposto a tudo.

Uma vez no poder, foram lhe perguntar qual era o lugar de um famoso prócer da UDN no seu governo. Ele bateu no peito e respondeu, comovente:

"É o melhor de todos! É aqui, no meu coração."