Título: Arcelor engorda dividendos para barrar oferta da Mittal
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2006, Economia & Negócios, p. B15

Depois de divulgar alta de 66% no lucro, grupo diz que vai pagar 85% mais aos acionistas

LUXEMBURGO

O Grupo Arcelor apresentou ontem sua primeira arma para barrar a oferta de compra de 18,6 bilhões apresentada em 27 de janeiro pela rival Mittal Steel, o maior grupo siderúrgico do mundo. Após anunciar uma alta de 66% no lucro de 2005 em relação ao do ano anterior, a direção da empresa disse que pretende aumentar em 85% os dividendos pagos ao acionistas. Isso significa que esses acionistas vão receber este ano 1,20 por ação, frente aos 0,65 do ano passado. E, segundo Guy Dollé, presidente da Arcelor, não é um presente restrito a este ano - o dividendo se manterá no mesmo nível para os próximos anos, se a empresa continuar a lucrar.

O agrado da Arcelor é respaldado por um lucro de 3,846 bilhões no ano passado. O crescimento conseguido pela empresa contrasta com o resultado da Mittal Steel, divulgado na quarta-feira: o grupo registrou um lucro líquido de 3,37 bilhões, com queda de 28% na comparação com 2004. O presidente e acionista majoritário da Mittal, Lakshmi Mittal, disse, porém, que o bom desempenho da Arcelor em 2005 não altera sua visão sobre o negócio nem as razões para ele ter feito a oferta pela empresa.

Guy Dollé, que desde o início foi contrário à proposta da Mittal, havia dito diversas vezes que o desempenho da Arcelor iria mostrar aos acionistas que era melhor a empresa continuar sozinha. Ontem, porém, chegou a dar uma leve amenizada no discurso, dizendo que poderia, em último caso, considerar uma oferta da Mittal, desde que fosse toda em dinheiro. Mesmo assim, se recusou a colocar um valor na empresa. "É mais do que se imagina", disse.

Para Dollé, a oferta da Mittal pode se tornar uma "dose de veneno" para a Arcelor. "Eu acho que o forte fluxo de caixa da Arcelor poderá ser usado para investimentos nas ultrapassadas fábricas da Mittal, o que pode colocar em risco nossa imagem com os clientes", disse. A expectativa é que Dollé comece a divulgar mais detalhadamente seus planos para barrar a oferta da Mittal no final do mês. "Nós vamos mostrar aos acionistas o quanto é melhor permanecer na Arcelor."

Os diretores da companhia começarão, a partir de 28 de fevereiro, uma nova rodada de contatos com os principais acionistas do grupo, tanto na Europa como nos Estados Unidos, para expor seu plano de valorização e mostrar que o futuro da Arcelor é promissor. O diretor-geral financeiro do grupo, Gonzalo Urquijo, explicou que a empresa já conversou com 20% a 25% dos acionistas e que a resposta foi "muito positiva".

Na quarta-feira, Lakshmi Mittal também havia se mostrado bastante otimista com a aprovação do plano de compra. Segundo ele, as principais resistências políticas ao projeto, principalmente na França, na Bélgica e em Luxemburgo, já começavam a ser vencidas. O empresário disse também que já havia conversado com cerca de 30% a 40% dos acionistas da Arcelor, e que a receptividade à proposta nessas conversas havia sido muito boa.

EMPREGOS

As negociações, porém, ultrapassaram em muito o âmbito dos acionistas, e se tornaram também um fato político importante. O ministro da Economia francês, Thierry Breton, disse que, no final das contas, "são os acionistas que decidirão". Mas não deixou de lembrar que a Mittal não fez mais que uma oferta no papel, sem um projeto industrial. O chefe da diplomacia francesa, Philippe Douste-Blazy, disse, por sua vez, que o único objetivo do governo francês é salvar os 30 mil empregos da Arcelor na França.

Em contrapartida, o ministro de Comércio Exterior da Índia, Kamal Nath, advertiu a Europa contra qualquer manobra destinada a bloquear a oferta feita pela Mittal - empresa que, embora tenha sede na Holanda, é de um indiano. Nath disse ontem ao comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, que todo este imbróglio poderia afetar o clima de negociações sobre diferentes assuntos na Organização Mundial de Comércio.