Título: Fitch tem dúvidas sobre nota do País
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Economia & Negócios, p. B1

Após a decisão da Standard & Poor's nesta semana de elevar a classificação do Brasil para BB, a atenção dos mercados se voltou às outras duas agências, a Moody's e a Fitch, cujas notas conferidas ao Brasil ainda estão um degrau abaixo. A expectativa de boa parte dos investidores é que as duas agências também deverão melhorar o rating do Brasil muito em breve.

Em entrevista exclusiva ao Estado, o diretor da Fitch responsável pela classificação soberana brasileira, Roger Scher, evitou dar indícios de quando isso poderá acontecer. Mas explicou que a perspectiva "positiva" conferida pela Fitch à nota brasileira BB- significa, em termos técnicos, que ela tem uma possibilidade acima de 50% de ser elevada nos próximos dois anos.

A Fitch pôs a perspectiva da nota brasileira em "positiva" em outubro de 2005, pouco antes de a S&P fazer o mesmo e a Moody's anunciar um upgrade. "Desde então vemos uma melhora sustentada da qualidade do crédito do Brasil, mas há alguns fatores que precisam ser monitorados."

Um dos pontos mais importantes para a nota brasileira, segundo Scher, é o aspecto fiscal. "Desde outubro houve resultados fiscais muito bons, mas há indicações de que os gastos aumentaram", disse Scher. "E houve um aumento grande no salário mínimo que vai alargar o déficit na Previdência Social, além de que haverá pressões de gasto neste ano eleitoral." Scher também observa "que poderá não ser tão fácil neste ano" atingir a meta de superávit primário de 4,25% do PIB.

Segundo Scher, o comportamento do balanço de pagamentos continua sendo muito positivo, com as exportações superando as expectativas da própria agência. "Ficamos também muito impressionados com o gerenciamento da dívida. Houve o pagamento ao FMI e a recompra da dívida externa, entre outras coisas. O serviço da dívida externa caiu e isso é positivo", disse. "Mas as reservas disponíveis para lidar com um choque externo foram reduzidas."

Scher ressalta também que o crescimento do PIB em 2005 foi baixo, inferior à expansão mundial. "Em outubro, a taxa de juro real estava em torno de 14% e agora um pouco acima dos 12%", disse. "A briga contra a inflação tem sido razoavelmente exitosa, e com a possibilidade de queda da Selic nos próximos meses as taxas reais também poderão declinar, o que será bom para o crescimento e um fator positivo para o País. Vamos aguardar a reunião do Copom na próxima semana."

De acordo com o diretor da Fitch, os indicadores do Brasil melhoraram, mas em sua maioria ainda são piores do que a média dos países classificados pela agência com a nota BB, uma acima da do Brasil. Como exemplo, ele citou que a dívida bruta do governo está em torno dos 72% do PIB, enquanto a média desses países fica entre 40% e 50% do PIB.

GRAU DE INVESTIMENTO

Na opinião de Scher, para o Brasil atingir o grau de investimento - três notas acima da atual conferida pela agência - num prazo de dois anos, muito ainda terá de ser feito. "O desafio é grande. Para atingir o grau de investimento é necessária uma melhora muito maior na dinâmica da dívida, superávits primários maiores talvez por meio de limitação de gastos, crescimento do PIB maior, talvez outra reforma na Previdência e uma reforma trabalhista."

Outro requisito seria a autonomia do Banco Central. Como exemplo, ele cita o caso do México, que passa por eleições presidenciais este ano, mas tem um BC autônomo cuja diretoria tem mandato até 2009. "Todo mundo sabe que pressões inflacionárias serão contidas no México. No Brasil, o BC tem gerenciado muito bem a política monetária e esperamos que continue. Mas o próximo presidente poderia trocar toda a diretoria do BC em janeiro de 2007."

Scher observa que a eleição presidencial, embora não seja vista como fator de maior risco na avaliação da Fitch, também não é irrelevante. "Estamos vendo um debate sobre a política fiscal, com gente no próprio PSDB falando que o País pode ter superávit primário menor, juros menores, porque Lula teve de elevá-los por falta de credibilidade junto aos mercados. Isso é preocupante, pois o Brasil precisa de política fiscal sólida."