Título: Que doença é esta?
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

A economia brasileira carrega lá suas mazelas, mas de doença holandesa ela não sofre. Segue-se que o remédio tem de ser outro.

É o que conclui estudo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone) assinado por Sidney Nakahodo e Marcos Jank, trabalho que leva o título "A falácia da doença holandesa no Brasil" - disponível a partir de hoje no site www.iconebrasil.org.br.

Para quem não está traquejado em patologia econômica, a doença foi diagnosticada nos anos 70 quando a Holanda começou a exportar suas reservas de gás do Mar do Norte. As receitas valorizaram demais o florim, a indústria perdeu competitividade e investimentos.

É o que poderia estar acontecendo no Brasil. As suspeitas são de que as robustas exportações de matérias-primas são o principal responsável pelo afundamento do dólar no câmbio interno. O impacto seguinte seriam desindustrialização e raquitismo nos investimentos.

O Brasil pegou ou não essa doença? Muitos economistas têm debatido o assunto pelos jornais e em conferências. Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti reconhecem os sintomas. Luiz Carlos Bresser Pereira fala em "maldição dos recursos naturais". Luiz Carlos Mendonça de Barros e Yoshiaki Nakano acham que contaminação e estrago são enormes. Delfim Netto lembra que a doença atacou a indústria nascente até os anos 60, quando o café respondia por dois terços das exportações. Rubens Ricupero discorda deles, mas identifica uma desindustrialização ligada às exportações de commodities. José Alexandre Scheinkman atribui a desindustrialização a outras causas. Aprofunda-se o debate.

Nakahodo e Jank verificaram que boa parte dessa argumentação carece de base empírica. Mergulharam nas estatísticas e concluíram o contrário.

As análises mostraram que as exportações de commodities (em bruto e processadas) não cresceram mais do que as de bens diferenciados. Cerca de 80% das exportações de 2005 são produtos que passam por processamento industrial. E nada menos que 40% dessa parcela, ou US$ 38 bilhões, pertencem à categoria de alta e média-alta tecnologia, que incluem aviões, equipamentos para telecomunicações, veículos, produtos químicos e equipamentos mecânicos e elétricos, categorias cujas exportações cresceram acima de 12% ao ano no último qüinqüênio. Enfim, as exportações têm dado show não só no segmento das commodities, mas também no dos industrializados.

O estudo do Ícone levou em conta não só a evolução dos preços, mas também as exportações em volume físico (quantum). Observou que o índice ponderado de preços das commodities do Fundo Monetário Internacional não serve para rastrear o que ocorre com as exportações brasileiras porque carrega petróleo demais (40% do índice). Para melhor avaliação, foi criado medidor próprio, o "Índice de Preços das Commodities Brasileiras". A conclusão é a de que "os preços das commodities em que o Brasil apresenta maior vantagem comparativa têm tido altas bem menos expressivas do que o alardeado pela maioria dos especialistas".

Se não há a disparada isolada das exportações de commodities também não há desindustrialização causada por ela.

A conclusão não explicitada no trabalho de Nakahodo e Jank é a de que, se não há doença holandesa, não há por que a indústria deva temer o bom desempenho do agronegócio e da mineração de exportação. Nem tampouco há razões para castigar essas exportações com confiscos ou outras travas, como sugerem certos dirigentes da indústria.