Título: Burocracia e falta de projetos paralisam a reforma dos portos
Autor: Lu Aiko Otta e Leonardo Goy
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Economia & Negócios, p. B4

Era para ser urgente, mas está tudo atrasado. Há um ano e meio, o governo lançou a Agenda Portos, um conjunto de 64 projetos a serem realizados em caráter de emergência nos 11 principais portos do País. O objetivo era evitar um colapso, diante do crescente volume de exportações do País.

Levantamento feito pelo Estado mostra que das 64 ações apenas 18 foram realizadas. Uma dezena delas nem começou e a maioria está andando a passos lentos. "Nós acreditávamos que as ações poderiam ser implementadas de imediato, mas estávamos iludidos", admite o diretor do Departamento de Programas de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes, Paulo de Tarso Carneiro.

Ele aponta duas grandes causas para o atraso na implementação da Agenda Portos: a falta de projetos e as complicadas negociações com os órgãos de defesa ambiental.

O governo não pode contratar uma obra sem apontar minuciosamente como pretende gastar o dinheiro - ou seja, é preciso ter projetos detalhados. E eles simplesmente não existiam. Na maioria dos portos, a providência mais urgente apontada pelos técnicos era a dragagem de manutenção, ou seja, limpeza do leito do mar com a retirada de terra, lodo e resíduos tóxicos que lá se depositaram ao longo dos anos. Em alguns casos, era urgente também aprofundar o porto.

A dragagem e o aprofundamento têm por objetivo permitir o trânsito de navios de grande porte, que exigem canais de navegação mais fundos. Na maioria, os portos brasileiros são rasos demais para os navios que fazem o comércio mundial. As profundidades são na casa dos 10 metros a 15 metros, enquanto portos europeus têm mais de 20 metros de profundidade.

Ocorre que não havia informações sobre como é formado o solo na área de cada porto - se há rochas ou terra, e de que tipo. Foi preciso, então, fazer esse estudo do solo para só então elaborar os projetos.

Feito o projeto, foi necessário obter licenças dos órgãos ambientais para tocar as obras. A dragagem polui as águas e pode prejudicar a vida marinha. Por isso, o trabalho tem de obedecer a uma série de exigências dos órgãos ambientais.

No Porto de Vitória (ES), os serviços de dragagem estão sendo feitos, mas precisam ser interrompidos mais ou menos a cada 15 dias para monitorar o grau de poluição das águas. A dragagem de manutenção do Porto de Aratu, na Bahia, espera uma licença ambiental. No porto fluminense de Sepetiba (agora chamado de Itaguaí), a dragagem está sendo discutida na Justiça.

Dos seis portos que tinham previstas obras de dragagem na Agenda Portos, apenas dois - Vitória e Paranaguá - já as concluíram. Segundo o Ministério dos Transportes, há R$ 197 milhões para dragagem nos seguintes portos: Rio Grande, Itajaí, Santos, Itaguaí, Rio de Janeiro, Vitória e Salvador.

Outra dificuldade detectada pelos técnicos que elaboraram a Agenda Portos foi o acesso à área portuária por rodovias e ferrovias. No Porto de Rio Grande, por exemplo, era necessário alargar a chamada Via Um, que dá acesso ao porto. O Ministério dos Transportes cancelou as verbas para o Estado, porque não foi assinado o convênio com a União para poder receber os recursos. A obra agora é realizada pelo Exército.

No caso das ferrovias, o problema mais comum é a existência de um único acesso ao porto, operado por uma empresa. Outras operadoras de ferrovia precisam negociar o uso da linha férrea para garantir que a carga chegará à área portuária.

Em dois casos mais complicados, Santos e Itaqui (MA), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) foi chamada a arbitrar. Em Santos, havia um conflito entre a MRS Logística e a Ferroban, segundo o diretor-geral da ANTT, José Alexandre Resende.

"Determinamos as condições de acessibilidade, tarifa e condições operacionais. Também determinamos à Ferroban que construa uma segunda linha de acesso ao porto, com bitola mista." No caso do Porto de Itaqui, a ANTT fechou uma negociação entre a Vale do Rio Doce, que controla a estrada de ferro dos Carajás, e a Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN).

Entre outras medidas, foram fixadas "janelas' de tempo durante as quais a Vale pode utilizar os trilhos da CFN para chegar ao porto.

INVESTIMENTOS

No fim do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva irritou-se com o atraso na Agenda Portos e cobrou seus auxiliares. "Uma preocupação constante do presidente é a garantia de que as exportações não serão prejudicadas por causa dos portos", diz Paulo de Tarso Carneiro.

Ele reconhece que o governo teve dificuldades em fazer deslanchar sua lista de obras emergenciais, mas ressalta o aumento do volume de recursos repassados para portos.

Em 2003, o Orçamento da União destinou R$ 64 milhões para investimentos em portos. No ano passado, esse volume havia mais do que decuplicado, chegando a R$ 670 milhões. Destes, R$ 220 milhões foram destinados às obras listadas na Agenda Portos e o restante, para outras ações igualmente relacionadas a portos.

A demora na implementação na Agenda Portos, porém, fez com que nem todo o dinheiro destinado fosse usado. Dos R$ 670 milhões, 33,4% foram efetivamente pagos. O restante está comprometido com obras ainda em andamento, que serão liquidadas este ano.

A dragagem dos portos brasileiros foi uma atividade quase inexistente nos últimos 15 anos. O ex-presidente Fernando Collor extinguiu uma estatal chamada Companhia Brasileira de Dragagem, que se encarregava desse trabalho. Com isso, perderam-se informações e projetos.

A chamada Lei dos Portos, aprovada em 1993, determinava que a dragagem era responsabilidade da União. O então presidente Itamar Franco vetou esse dispositivo, por achá-lo incompatível com o modelo de privatização que se adotava naquela época. Uma portaria de 1999, do então ministro dos Transportes Eliseu Padilha, definiu que a dragagem era de responsabilidade das docas. Em 2003, o então ministro dos Transportes Anderson Adauto editou outra portaria, determinando que a responsabilidade era das docas e da União.