Título: PDVSA pede passagem na Sapucaí
Autor: Irany Tereza e Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Economia & Negócios, p. B8

A enorme alegoria de Simon Bolívar, herói venezuelano, símbolo da luta pela independência sul-americana, não foi o principal destaque do desfile da Vila Isabel, escola campeã do carnaval carioca. No rastro dela, ganharam evidência a Venezuela, o presidente Hugo Chávez e a companhia estatal de petróleo PDVSA, uma das patrocinadoras do enredo. Desconhecida do consumidor brasileiro, a Petroleos De Venezuela S.A. iniciou, pouco antes do carnaval, megacampanha publicitária de fixação de marca, estratégia adotada por grandes empresas na preparação para entrar num mercado de varejo estrangeiro.

Somente para o patrocínio à Vila a empresa destinou em torno de R$ 1 milhão, um quarto do custo total do desfile. A cifra é uma estimativa vazada pela própria escola, já que a PDVSA - que no Brasil tem apenas 9 postos de revenda no Pará e um modesto escritório no Rio de Janeiro - não revela o quanto gastou. A propaganda, com o mote "Petróleo para a integração dos países", ocupou outdoors, "busdoors" (cartazes em ônibus), revistas, jornais, rádio e televisão, sempre em horários nobres. Na TV Globo, as inserções ocorreram no Jornal Nacional, onde cada 30 segundos custam, em média, R$ 200 mil.

A agressividade do marketing causou estranheza no mercado, até porque a PDVSA não tem negócios no Rio que justifiquem a publicidade dirigida à massa consumidora. A Petrobrás também faz campanhas semelhantes no exterior, mas para fixar a marca em mercados onde está ingressando. A entrada da empresa na distribuição de combustíveis na Argentina e a colocação do óleo Lubrax no mercado boliviano foram precedidas, em cada país, por campanhas de US$ 600 mil (o equivalente hoje a cerca de R$ 1,3 milhão), com o mote "Petrobrás, uma nova energia", veiculadas cerca de um mês antes do lançamento dos negócios.

O gerente de Imagem Corporativa e Marcas da estatal brasileira, Eduardo Felberg, destaca também os patrocínios, sempre em mercados onde a empresa disputa o mercado varejista, como o do Racing, um dos principais times do futebol argentino, e da categoria de automobilismo TC-2000, o correspondente ao stock car naquele país, onde a Petrobrás tem uma rede de mil postos de combustível. Em busca da simpatia do argentino, a estatal patrocinou também a gravação de um CD com cantores famosos no País, vendido nos postos, com renda destinada a obras sociais.

"Essa campanha da PDVSA pode nos levar a pensar que a empresa prepara a entrada no mercado (varejista), mas não tenho nenhuma informação sobre isso", desconversa Felberg. A assessora de Marketing da companhia venezuelana no Brasil, que pediu para não ter seu nome divulgado, disse que o objetivo da campanha publicitária é o de "fixar a marca no País". Mas, preferiu não falar sobre planos de a empresa ingressar no mercado de distribuição e revenda, dizendo apenas que "existem planos estratégicos da companhia para o Brasil".

Segundo ela, após esta campanha, uma nova peça publicitária será veiculada no Rio. Sobre a discrepância de a propaganda estar a quilômetros de distância da rede de postos, no Pará, ela foi evasiva: "Nossa sede fica no Rio e por isso faz mais sentido começar por aqui."

A PDVSA tem faturamento anual de US$ 53,2 bilhões na Venezuela. No Brasil, a empresa anunciou, em 16 dezembro, parceria com a Petrobrás para a construção de uma refinaria, em Pernambuco. Os custos, avaliados em R$ 2,5 bilhões, serão divididos meio a meio, mas a operação está prevista apenas para 2011.

No dia do anúncio, pouco antes da solenidade, os presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Venezuela, Hugo Chávez, participaram de uma reunião com os presidentes da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, e da PDVSA, Rafael Ramirez, além de integrantes dos dois governos. Há informações de que Lula e Chávez insistiram na tese da integração e da ampliação dos negócios da PDVSA no Brasil.

No mercado, porém, são fortes os rumores de que a negociação entre a venezuelana e a Ipiranga - que detém 25% do mercado de postos de revenda no Brasil, atrás somente da Petrobrás (37,7 %) - teriam sido suspensas por interferência da estatal brasileira. A Petrobrás, que durante o governo Fernando Henrique chegou a cogitar a compra da Ipiranga, teme a entrada da PDVSA como concorrente direta na distribuição.

A brasileira, comenta-se, estaria mais interessada numa parceria com a venezuelana num terceiro mercado, já que a legislação na Venezuela também dificulta a entrada da Petrobrás na rede de distribuição local. A PDVSA, por sua vez, quer evitar uma "entrada hostil" no Brasil, por questões mercadológicas e políticas.

"É quase óbvio o interesse da PDVSA no mercado brasileiro, assim como é óbvio o problema que isso pode representar para a Petrobrás. Ninguém garante a que custo o presidente Chávez irá vender seu petróleo para alimentar sua rede de postos no País, na tentativa de fidelizar clientes", diz um analista do mercado varejista. Na Venezuela, a gasolina custa em torno de US$ 0,12 o litro. "A PDVSA pode entrar no mercado brasileiro como parceira e como concorrente, simultaneamente", avalia o analista.