Título: Todas as moedas se encontram na China
Autor: Keith Bradsher
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Economia & Negócios, p. B10

A China tem uma reserva tão imensa de dinheiro de outros países que poderia, em tese, distribuir bônus equivalentes a meio ano de salário de todos os 700 milhões de seus trabalhadores, reconhecidamente mal-remunerados.

O país, em breve, divulgará estatísticas mostrando que passou o Japão como o maior detentor de divisas estrangeiras que o mundo já viu. Suas reservas já excedem US$ 800 bilhões e poderão chegar a US$ 1 trilhão até o fim do ano - em 1989, estavam pouco abaixo de US$ 4 bilhões.

Mas acontece que a China já desfrutou de uma situação parecida no passado.

A montanha atual, boa parte dela investida nos Estados Unidos em letras do Tesouro e hipotecas sobre casas, é uma conseqüência de a China vender mais produtos do que compra e do dinheiro estrangeiro que ingressa no país para a construção de fábricas, prédios de apartamento, edifícios de escritórios e shopping centers.

A China não está sozinha. Exportadores de petróleo também amontoam dinheiro e tentam imaginar o que fazer com ele, o que tem causado disputas como a iniciativa de uma companhia de Dubai de administrar terminais portuários de carga americanos.

PARALELOS

A história oferece paralelos ao dilatado déficit comercial americano e à conseqüente acumulação de dólares na China. O país vende a companhias americanas quase seis vezes mais do que compra, mas esta não é a primeira vez que a China se tornou uma potência exportadora. A Roma Antiga, por exemplo, descobriu que, além do vidro, tinha pouca coisa que a China quisesse comprar. Plínio se queixava do fluxo de ouro romano para o leste ao longo da Rota da Seda em troca de seda chinesa.

O comércio de longa distância desmoronou nos primeiros anos da Idade Média, mas nos vários períodos seguintes de rápido crescimento do comércio internacional - de 600 d.C. a 750, de 1000 a 1300 e de 1500 a 1800 - a China novamente tendeu a apresentar superávits comerciais muito expressivos. Por volta de 1700, a Europa pagava com prata por até quatro quintos das importações européias da China que, por sua vez, tinha pouco interesse pelo que era produzido na Europa.

SEM INFLAÇÃO

Um mistério que os historiadores da economia tentam desvendar até hoje é como fluiu tanta prata e ouro para a China durante séculos para a compra de produtos chineses e isso não causou uma grande inflação no país.

Muitos produtos manufaturados chineses continuaram bem mais baratos que os de outros países até o começo do século 19, apesar do rápido crescimento da oferta de prata na economia chinesa.

Uma teoria é que a produção chinesa estava se expandindo no mesmo ritmo da oferta de metais preciosos. Outra teoria afirma que os chineses poupavam ouro e prata no lugar de gastá-los.

O mesmo fenômeno se verifica hoje, sem que os dólares que inundam a China resultem em qualquer aumento nos preços da maioria dos bens e serviços (embora o preço dos imóveis tenha disparado na maioria das cidades).

Atualmente, a China encontra ainda mais facilidade para impedir a alta dos preços domésticos por causa de técnicas bancárias modernas, que permitem que o Banco Central da China compre os dólares e os tire de circulação constantemente. Nesse processo, o banco acumulou reservas imensas de divisas estrangeiras.

No século 19, o Império Britânico tentou imaginar como poderia manter um grande superávit comercial de longo prazo em relação à China. Até agora, porém, ninguém sugeriu que os Estados Unidos tentem resolver seus problemas comerciais usando a abordagem britânica: viciar milhões de chineses em ópio importado.