Título: Os EUA fazem sua Alca
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Há cerca de dois anos, o governo Lula resolveu esvaziar as negociações para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), um amplo tratado hemisférico que considerava prejudicial aos interesses brasileiros porque implicava aceitar um sócio maior - os Estados Unidos. Contou para isso com a inestimável ajuda do presidente venezuelano Hugo Chávez que, por razões ideológicas, é contrário a qualquer aproximação com Washington. Não faltaram, na ocasião, as recomendações de prudência. Se os Estados Unidos não conseguissem fechar um acordo hemisférico de comércio, tentariam negociar tratados com cada um dos países da região. Os recalcitrantes ficariam para trás, arcando com os ônus de um relativo isolamento e da perda de vantagens comparativas nas relações de comércio com o maior mercado consumidor do mundo, que se refletiriam no comércio regional.

Esta semana, os Estados Unidos concluíram um tratado de livre comércio com a Colômbia. Além do tratado com o México e o Canadá (Nafta), Washington já assinou acordos com os países da América Central e do Caribe, o Chile e o Peru. Até o final do mês, deve concluir um tratado com o Equador. A Bolívia, que tem acompanhado as negociações dos Estados Unidos com os países andinos, na qualidade de observadora, será o próximo alvo da diplomacia comercial norte-americana. Se a iniciativa for bem-sucedida, o Brasil, liderando o Mercosul, e a Venezuela, que pretendiam montar um esquema sul-americano imune à influência dos Estados Unidos, ficarão isolados em meio a acordos de preferências. O tiro sairá pela culatra.

Nas negociações da Alca, o governo brasileiro partiu da equivocada idéia de que teria de levar vantagem em tudo. Exigiu a derrubada de subsídios e proteções a determinados setores da economia americana - principalmente aços, açúcar, sucos, calçados e produtos agrícolas - e fez disso um cavalo de batalha, como se o Brasil não tivesse interesses mais amplos. O governo colombiano, ao contrário, preferiu considerar o conjunto da economia e as vantagens gerais que poderia obter com a assinatura de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Considerou inevitável que alguns setores saíssem perdendo com o arranjo. Assim, nas duras negociações, que duraram dois anos, permitiu o acesso de produtos aviários norte-americanos a seu mercado - o que significa que os produtores locais terão de se tornar competitivos para não perecer - e reduziu à metade a cota de açúcar que queria vender.

Em troca, tornam-se permanentes as facilidades de acesso aos Estados Unidos dos produtos listados no acordo de preferências - que precisava ser renovado anualmente, com dificuldades crescentes - e praticamente todos os produtos de exportação colombianos - os industrializados, sem exceção - entrarão nos Estados Unidos sem pagar tarifas.

O governo colombiano também não receou incluir no acordo a área de serviços - que o Brasil relutava em discutir nas negociações da Alca. Empresas norte-americanas, por exemplo, poderão participar de licitações públicas na Colômbia em igualdade de condições com as empresas locais.

Com a assinatura do tratado de livre comércio, a economia colombiana se abre, mas não fica escancarada. O presidente Alvaro Uribe anunciou que, antes de junho, enviará ao Congresso um projeto de lei concedendo subsídios aos agricultores que poderão sofrer os efeitos da concorrência, em especial os produtores de aves, arroz, milho e feijão. Com isso, o governo espera manter as condições que fizeram da Colômbia o maior exportador de produtos agrícolas para os Estados Unidos, depois do México.

O tratado de livre comércio foi assinado com o claro objetivo de dinamizar o relacionamento comercial bilateral, que no ano passado movimentou US$ 14 bilhões nos dois sentidos - valor pequeno quando comparado com a corrente de comércio entre Brasil e Estados Unidos, que anda ao redor dos US$ 40 bilhões. E é esse o risco que o Brasil corre, ficando à margem dos acordos que os Estados Unidos vêm fazendo na região. Cada um desses acordos é uma ameaça potencial aos produtos brasileiros, principalmente os industrializados, que deixam de contar com vantagens tarifárias sobre os concorrentes norte-americanos. O capricho petista de matar a Alca pode custar caro ao País.