Título: Depois do nepotismo, alvo do CNJ é salário de até R$ 35 mil na Justiça
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Nacional, p. A4

A toga está de olho no Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do Judiciário, que na quinta-feira porá em votação polêmico mandado de segurança por meio do qual ex-ministros da corte, hoje aposentados, alegam inconstitucionalidade parcial da emenda 41/03 - que fixou o teto salarial no STF, hoje de R$ 24,5 mil, que serve de referência e limite a todo o funcionalismo público, como prevê a Lei 11.143/05.

O julgamento do Supremo é aguardado ansiosamente pelos tribunais de todo o País porque logo depois, no dia 16, é a vez de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se reunir para elaborar uma resolução específica sobre vencimentos dos juízes. O CNJ vai usar a decisão do STF para estabelecer regras e limites na questão do teto e do subteto salarial da toga.

Magistrados aflitos não admitem a idéia de perdas e ameaçam com uma resistência mais severa do que a ofensiva deflagrada em favor do nepotismo na corte - até que o CNJ, com o respaldo do STF, pôs fim à desordem das liminares que garantiam os apadrinhados.

Em algumas regiões, desembargadores chegam a ganhar R$ 35 mil. Não são todos. Os juízes de primeira instância ganham bem abaixo do teto. Os desembargadores que ganham muito acima tratam a remuneração como segredo de Estado. A folha salarial desses magistrados, e quanto ela pesa no orçamento do Poder, são dados aos quais poucos têm acesso.

Seus holerites incluem toda sorte de vantagens e benefícios, desde acúmulo de gratificações por função de direção que são incorporadas aos vencimentos até verbas de representação e indenizatórias, além de auxílio-moradia e da ajuda de custo em duas parcelas, uma no início do ano, outra no final. São mecanismos e artifícios que vigoram há décadas, geralmente sob a proteção de leis estaduais sob encomenda, que dão sustentação à tese do direito adquirido e deixam o teto salarial para trás, como se fosse piso.

São "penduricalhos", na definição da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que identificou 40 tipos diferentes de gratificações que contemplam juízes. Roberto Busato, presidente da OAB, denuncia "burla à Constituição por parte daqueles que deveriam ser os primeiros a cumprir a lei maior do País". Dados da OAB indicam que dos 14 mil magistrados brasileiros, entre 2 mil e 3 mil recebem acima do limite do Supremo.

ADICIONAL

Os ex-ministros do STF que ingressaram com mandado de segurança não buscam privilégios. Querem o reconhecimento do adicional por tempo de serviço. Argumentam que não pode ser incluído no subsídio único da categoria o adicional relativo a qüinqüênios trabalhados - a cada 5 anos de serviço, 5% de acréscimo. O máximo que a Lei Orgânica da Magistratura permite são sete qüinqüênios.

São os qüinqüênios o argumento central dos ex-ministros que recorreram ao STF, sua antiga casa. O mandado foi distribuído em abril de 2004. Na época, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, emitiu parecer pela concessão do mandado. Para Fonteles, "é legal excluir-se do subsídio-teto vantagens pessoais que significam, que expressam, a consolidação de direito adquirido". As vantagens, assinalou, "pela óbvia natureza das coisas, são as pessoais pelo trabalho feito, por isso expressão de realidade, que se faz direito adquirido".

Para o desembargador aposentado Sebastião Amorim, presidente da Associação Paulista de Magistrados, a fixação do teto "é salutar porque evita distorções e privilégios". Mas ele adverte sobre normas constitucionais que asseguram a irredutibilidade de vencimentos "justamente para que o juiz ou qualquer servidor não fique à mercê dos poderosos".

"O teto e a irredutibilidade são duas normas que não se chocam, mas se contradizem na medida em que são estabelecidas pela mesma Constituição", avalia Amorim. "Existem vantagens adquiridas legalmente e não à sombra da lei. Em São Paulo, os juízes sempre seguiram à risca a legislação."

DIFERENCIAL

Presidente da Associação dos Magistrados do Distrito Federal, Maria Isabel da Silva faz um alerta. "O teto deve ser respeitado, mas não podemos esquecer que a carreira da magistratura sempre foi estruturada com base em tempo de serviço. Esse é o diferencial da carreira."

Ela informa que no DF nenhum juiz ganha acima do teto. Para Maria Isabel, não é correto que um juiz com 30 anos de atividade ganhe o mesmo que o juiz em início de carreira.

"Sou contra os penduricalhos", declara Ronaldo Maciel, que preside a Associação dos Magistrados do Maranhão e trava intensa luta contra privilégios. No Tribunal de Justiça maranhense, o efeito cascata é lei: presidente incorpora 40% sobre o salário, o vice e o corregedor 30%, e até o decano leva seu quinhão, 20%. Se o magistrado acumulou dois cargos, foi corregedor e presidente, enriquece o contracheque com mais 70%.

Mozart Valadares, presidente da Associação dos Magistrados de Pernambuco, defende o teto. "Ele padroniza e moraliza a remuneração do serviço público, mas o adicional por tempo de serviço é justo para quem trabalhou 40 anos."