Título: Presidente da República ganha menos que delegado
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Nacional, p. A4

A folha de pagamento da União tem distorções profundas, atribuídas a dois fatores: o teor corporativista das reformas constitucionais nas áreas administrativa e previdenciária e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de fixar o vencimento de seus ministros como teto salarial nos três Poderes.

Um exemplo dessas deformações é o salário do mais disputado cargo do País, o de presidente da República. São R$ 8.885,48, o que corresponde a apenas um terço do que recebe um ministro do STF, R$ 24.500 - desde janeiro, o valor do teto para ativos e inativos da União.

A distorção é tamanha que o juiz federal e o procurador da República em início de carreira têm salário de R$ 14 mil, e os advogados da União da classe especial, de R$ 9.822,85. Isso tem levado parte do corpo de advogados da União a abandonar suas carreiras e fazer concurso para a categoria que recebe mais na primeira instância da Justiça Federal ou no Ministério Público. Mas, mesmo inferiorizados em relação ao Judiciário e ao Ministério Público, os advogados da União recebem mais que o presidente da República. Não são os únicos.

Delegados e peritos criminais da Polícia Federal em fim de carreira ganham perto de R$ 15 mil. Um analista do Banco Central tem salário de R$ 10.193,53, sem contar as vantagens acumuladas com os anos. Os procuradores do BC chegam a R$ 9.822,85, fora outras vantagens. É um salário maior do que o de seu superior, o presidente Henrique Meirelles, que leva para casa R$ 8.362,80.

O vice-presidente José Alencar, que também é ministro da Defesa, tem o mesmo salário de Meirelles, assim como seus colegas ministros, como o de Minas e Energia, Silas Rondeau, o da Agricultura, Roberto Rodrigues, ou o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, que têm sob sua responsabilidade movimentação financeira próxima dos R$ 500 bilhões. O mesmo salário recebem os secretários especiais da Presidência, a exemplo dos da Pesca e dos Direitos Humanos.

Silas Rondeau tem ainda sob sua responsabilidade as Agências Nacionais do Petróleo e de Energia Elétrica. Seus presidentes recebem R$ 8.363,80. Mas um servidor concursado de agência reguladora tem salário superior a R$ 12 mil.

"Vai chegar uma hora em que teremos de nos sentar numa mesa e negociar essas distorções", diz o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Como ele é deputado, pôde optar pelo salário pago pela Câmara, R$ 12.847,20. Se fosse apenas ministro, receberia o mesmo que Rondeau, Rodrigues ou Furlan. No Legislativo a confusão também é grande. Senador, por exemplo, recebe R$ 12.720 - cento e poucos reais menos do que seus colegas da Câmara. Isso ocorre porque em 2003 a Câmara se concedeu reajuste de 1%; o Senado, não.

Ministros de tribunais superiores, Procuradoria-Geral da República, presidente da República, ministros e diretores de agências reguladoras, deputados e senadores dependem de lei específica para terem aumento. Os servidores podem receber reajuste por medida provisória, o que tem ocorrido sempre. "Por causa das peculiaridades do Executivo, não dá para fazer aumento linear. Os benefícios têm de chegar às categorias caso a caso", afirma o ministro Paulo Bernardo.