Título: O candidato de Covas? 'Geraldo. Sem dúvida'
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Nacional, p. A6

Entrevista

Lila Covas

O candidato de Mário Covas à Presidência da República seria o governador Geraldo Alckmin, afirma sem pestanejar Lila Covas, que partilha a mesma escolha e adianta que vai fazer campanha "no Brasil inteiro", se ele for escolhido como o nome tucano. Ela explica as razões da escolha: "Ele é jovem, tem fôlego e acabou de fazer um governo ótimo em São Paulo." Para ser candidato ao governo estadual, Lila diz que Covas escolheria o vereador José Aníbal.

Como o marido, Lila é paixão à flor da pele, sem papas na língua e sem medo das conseqüências do que fala. Ela sempre se refere ao PSDB, com perceptível paixão, como "o nosso partido"; e ao PT, cuja sigla não soletra, como "aquele outro partido". O notório desprezo tem uma origem claramente definível: as agressões cometidas por professores ligados ao PT em greve ao então governador.

Ela admite que Covas era obsessivo na busca da perfeição ("Não gostaria de trabalhar com ele") e revela que um homem, certa vez, lhe disse que ele recebia orientações "lá de cima". Afirma que a derrota na eleição presidencial não doeu muito: "Sempre entrei nas campanhas pensando: se ganhar, ótimo para ele; se perder, ótimo para mim." Eis a entrevista:

De onde veio o apelido Zuza?

Na família dele, em todos os carnavais os primos usavam fantasias iguais. Os meninos, de cozinheiro, e as meninas, de copeiras. Os meninos usavam um chapéu de mestre-cuca e o tio dele escreveu neles o nome de cada um. Como o Mário tinha o nome do pai, o tio escreveu Zuza. E pegou.

Covas era turrão e diziam que só a senhora conseguia acalmá-lo. Por que ele era tão turrão?

Não é questão de ser turrão. Ele queria as coisas como achava que tinham de ser. E ele ia à luta, não admitia o contrário do que queria. Mário Covas era exigente. Eu não gostaria de trabalhar com ele. Eu era a única pessoa que acalmava o Mário porque eu apelava para o lado humano. Acho que a mulher tem uma visão mais humana das coisas. E Mário era instruído "lá de cima". Quando ele falava que algo iria acontecer, poderia até demorar um pouco, mas acontecia.

Ele era espiritualista?

Era.

Acreditava em quê?

Em Deus, numa força superior. Vou contar uma coisa que nunca falei para ninguém. Ele nasceu em berço de ouro. O pai era o homem mais rico desta cidade, Mário tinha tudo para ser um playboy, mas ele só tinha olhos para os humildes. Quando foi candidato a prefeito de Santos, num dos comícios, quando desci do palanque, um senhor negro se aproximou e disse: "Não sei se a senhora acredita nisso, mas quando ele estava falando vinha uma faixa de luz lá de cima, iluminando a cabeça dele." Isso me marcou para a vida inteira.

A cassação, em 1969, foi o pior momento da vida de vocês?

Não foi porque a gente já esperava. Tudo mudou (depois do regime militar) e a gente sentia isso.

E o melhor momento?

O melhor momento é quando você ganha um filho.

Pensei que a senhora fosse dizer que foi a eleição para o governo de São Paulo.

Não, não foi. Eu sempre entrei nas campanhas pensando: se ganhar, ótimo para ele; se perder, ótimo para mim.

Quando foi candidato à Presidência, ele disse: "É possível conciliar política com ética." Por que tem tanta gente que não segue isso?

Ele nasceu desse jeito. Isso não se aprende, a pessoa nasce com isso. Mas graças a Deus não é só Mário, não, tem muitos que pensam assim.

Muitos lembram que foi Covas quem evitou que o PSDB aderisse ao governo Collor.

Nós fomos a Maceió e amigos do nosso partido contaram como tinha sido o governo dele em Alagoas. Não era possível que a gente fizesse união com uma pessoa que governou Maceió daquele jeito. Não era possível mesmo. O pessoal do partido perdeu uma noite discutindo isso e graças a Deus eles ouviram o Mário, senão o nosso partido iria se perder.

Por que ele não quis concorrer à Presidência em 1994, já que era o candidato natural?

Não é que ele não tenha querido concorrer. Ele não tinha mais fôlego. Você sabe o tamanho deste país? Quando formamos o nosso partido, Mário foi candidato a presidente (em 1989). Foi difícil, porque o PSDB não estava formado nos outros Estados. Estava fraquinho. Em alguns nós não tínhamos nem pessoas para nos receber. Mário abriu o caminho.

A derrota na eleição presidencial doeu muito nele?

Não. Mário costumava me dizer: "Não é que o povo não saiba votar. Ele é mal informado. As pessoas as iludem em vez de falar a verdade."

Precisa fôlego para ser candidato a presidente?

Precisa. É por isso que eu sou Geraldo (Alckmin). Ele acabou de fazer um governo ótimo em São Paulo. Teve Mário ao lado dele e viu como se faz um governo sério, com ética. Não temos nada para falar mal do Geraldo. Ele é jovem, tem fôlego, é tranqüilo e vai fazer uma boa campanha.

A senhora acha que Alckmin está preparado para enfrentar Lula, um político experiente?

Espera! Espera! Eu não falo desse outro partido. (Em 2000) Mário foi conversar com os professores que estavam em greve e um professor deu uma pedrada que acabou pegando na testa dele. Ele voltou para o palácio ensangüentado. Você acha que eu tenho alguma coisa a mais para falar desse partido? Não vou, não! Passa para frente!

as a senhora não se preocupa com as pesquisas de opinião?

Mário ficou em terceiro lugar não sei quanto tempo e ganhou (o governo estadual). Campanha é assim: arregaça a manga e vamos embora!

Se Alckmin for escolhido, a senhora vai fazer campanha para ele?

Vou. No Brasil inteiro.

O que a senhora acha do prefeito José Serra?

Serra está sendo um ótimo prefeito e já escutei elogios grandes a ele. Mas vão criticá-lo (se ele for candidato), porque acabou de sair de uma campanha e vai pegar outra. Vão dizer que prometeu (ficar na Prefeitura) e não cumpriu. Estão querendo fazer isso com ele e ele não está enxergando.

Se Covas estivesse vivo, quem seria o candidato dele?

Geraldo. Geraldo. Eu não tenho dúvidas em dizer.

E ao governo do Estado?

Ao governo do Estado o candidato dele seria José Aníbal. Mário sempre disse que ganha a eleição quem tem voto. E José Aníbal foi o vereador mais votado em São Paulo. Não precisa experimentar outro.

Alckmin deu pouco espaço para o surgimento de novas lideranças, não?

É o feitio dele. Cada um é de um jeito. Nós temos cinco dedos na mão. Um é igual a outro?

Covas tinha alguma animosidade com Serra?

Não. Cada um é do seu jeito. Agora, eu acho que nisso (a escolha do candidato) tem muita gente com interesse de que o PSDB se divida. Está em jogo muita coisa. É uma pena.

A senhora se refere àquele partido cujo nome não fala?

Esses aí são os mais interessados.

O que Covas diria hoje do governo Lula?

Só perguntando a ele. Eu não falo nada.

Mas a senhora é hoje a voz dele.Eu não falo. Esse partido para mim não existe. Demagogo.

A senhora se refere ao PSDB como "o nosso partido". É um caso de amor?

Lógico, lógico. Eu quero que esse partido tenha vida longa e que fale sempre a verdade, como Mário falava. O pessoal não gostava, mas depois via que tinha valido a pena.