Título: FHC: Covas concorreria à Presidência
Autor: Carlos Marchi e Mariangela Hamu
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Nacional, p. A7

"Olha, não dá para começar uma campanha se o partido não estiver unido", dizia com freqüência Mário Covas, segundo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que admite: "Se estivesse vivo, é claro que seria mais fácil escolher o candidato, até porque ele seria o candidato." Cinco anos após sua morte, ocorrida em 6 de março de 2001, o governador Mário Covas continua a ser um símbolo do PSDB e a rememoração de sua morte pode reconstituir a união do partido, esgarçada pela disputa entre o governador Geraldo Alckmin e o prefeito José Serra.

Amanhã, uma homenagem ao símbolo tucano vai reunir os líderes do partido na Sala São Paulo, um espaço de concertos de referência mundial construída por Covas - que "nunca colocou um disco na vitrola", lembra o vereador José Aníbal. A expectativa é de que, na homenagem, os acordes da Orquestra Sinfônica de São Paulo inspirem a união, que em vida Covas cobrava, entre tiradas mal-humoradas e socos na mesa, no limiar das campanhas eleitorais.

Alckmin, vice e discípulo de Covas, disse que ele "transpirava espírito público e lembrava que a coisa pública não é para os seus, nem para o partido". Serra afirmou que Covas "tinha uma virtude rara mesmo entre os bons políticos: coragem". "Coragem para assumir posições, para batalhar pelo seu partido e para defender suas idéias, mesmo contrariando fortes interesses", acrescentou.

"Se Mário fosse vivo, nos ajudaria muito", afirmou Fernando Henrique, frisando que ele "tinha uma autoridade muito grande sobre o partido". Em seu novo livro (A Arte na Política - A História que Eu Vivi), FHC relata que, à época do lançamento do Plano Real, Covas lhe disse: "Eu até acho que não vai dar certo, mas estou com vocês e vou até o fim."

O TURRÃO ÉTICO

A fama de turrão acompanhou Covas por toda a vida, mas as lembranças que ficaram dele foram sua indissimulada paixão pela política, que muitas vezes o levou a discutir com pessoas na rua, e sua obsessão com a ética. "Asseguro, sem vacilação, que é possível conciliar política e ética, política e honra, política e mudança", disse, em 1989, no discurso em que assumiu a candidatura presidencial do recém-fundado PSDB e pregou a necessidade de um "choque de capitalismo".

Ali, Covas foi o primeiro político de esquerda brasileiro a aceitar a iniciativa privada como parceira para o desenvolvimento, não como uma inimiga a abater. O documento com que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva pactuou a mesma convivência 13 anos depois foi um filhote do discurso de Covas, assim como os conceitos de responsabilidade fiscal e da redução do papel do Estado. Anos depois, no governo de São Paulo, Covas abandonou de vez os caprichos estatistas e ajudou a privatizar o Banespa.

Segundo Alckmin, Covas introduziu um conceito novo, mesmo sendo um homem de esquerda - "o importante era ser público, não estatal". Para o atual governador, ele era um homem de menos teoria e mais aulas práticas. "Tinha muita coerência entre o falar e o fazer. Ele promoveu um salto na qualidade de gestão em São Paulo e se antecipou à Lei de Responsabilidade Fiscal", diz Alckmin.

O salto de Covas mostrou que um homem de esquerda podia ser um gestor público moderno. "Ele inaugurou a forma contemporânea de gestão pública", diz o governador de Minas, Aécio Neves, que confessa ter-se inspirado em Covas para fazer a reforma administrativa e para depurar as contas do Estado. O reconhecimento é tamanho que Aécio mantém, num lugar privilegiado de seu gabinete de trabalho do Palácio das Mangabeiras, uma foto com Covas.

A paixão pela polêmica política fez com que, governador, Covas enfrentasse na rua uma manifestação de professores em greve na entrada da Secretaria de Educação, em junho de 2000. Acabou ferido na cabeça por uma pedrada arremessada por um dos grevistas, cuja maioria era vinculada ao PT. "Tenho um prazer especial em discutir", reconhecera, dois anos antes.

Apesar do confronto e da pedrada, apenas quatro meses depois, em outubro de 2000, o então governador declarou apoio à petista Marta Suplicy, que fora ao segundo turno das eleições para a Prefeitura de São Paulo contra Paulo Maluf.

Sua carreira tinha sido uma contínua demonstração de energia e coerência ideológica. Nos anos 80, foi essencial na fundação do PSDB, depois de ter sido líder do PMDB na Constituinte contra a vontade do então todo-poderoso Ulysses Guimarães. Em 1989, na primeira eleição direta após a ditadura, foi para o sacrifício e saiu candidato à Presidência, mesmo sem bases amplas.

Doze anos depois, já doente, Covas excluiu-se de pretensões pessoais e encarnou o papel de farol ético do PSDB. Com o mesmo empenho com que enfrentara a ditadura militar, passou a cobrar posturas éticas de seu partido e, pressentindo que não iria até as eleições de 2002, antecipou os nomes de seus candidatos - Tasso Jereissati para a Presidência e Geraldo Alckmin para o governo estadual.