Título: 'Governo só fez políticas tímidas de compensação'
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Nacional, p. A10

Entre os bispos católicos que se dedicam a trabalhos na área social é cada vez maior a impaciência com o governo. De acordo com o coordenador nacional das pastorais sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Aldo Pagotto, da Arquidiocese da Paraíba, "tudo o que o governo fez até agora foram algumas tímidas políticas de compensação", sem nenhum impacto na redução das desigualdades.

Na entrevista a seguir, ele explica e aprofunda as críticas feitas pela cúpula da CNBB ao governo Lula na semana passada.

O senhor concorda com as críticas que foram feitas ao governo pelo presidente e o secretário-geral da CNBB?

Integralmente. Estamos discutindo esses assuntos há tempos no interior da CNBB e até já apresentamos nossas críticas ao governo, em conversas muito francas.

Porque a CNBB decidiu agora intensificar e tornar públicas essas críticas?

Embora o presidente Lula negue, é evidente que ele é candidato à reeleição e que o debate eleitoral já está em curso. O que a CNBB pretende é levar a opinião pública a debater políticas na área social, a assumir o controle dessas políticas.

Qual o motivo do descontentamento da CNBB com as atuais políticas sociais?

Enquanto não se desencadear um amplo processo de desenvolvimento econômico, não se logrará reduzir no Brasil as desigualdades na distribuição da renda - o que não é uma proposta de igrejeiros, mas sim uma proposta contida na própria Constituição, em seu artigo terceiro. Tudo o que governo fez até agora foram algumas tímidas políticas de compensação, que, em vez de ajudar aos mais pobres, estão acostumando mal a população, levando a um estado de acomodamento.

De que maneira?

As pessoas se acostumam a receber as coisas - o vale gás, o bolsa isso, o bolsa aquilo - e estão até desistindo de reivindicar emprego, melhores condições de vida. Ando para cima e para baixo, conversando com as pessoas, ouvindo as autoridades, promovendo debates, e por isso digo com certeza: esses programas levam à acomodação, a uma pachorra generalizada. O que nós queremos é mais qualidade na educação, serviços melhores de saúde e, sobretudo, oportunidades de geração de renda. Mais de 83% da população daqui já está na cidade e até agora não temos políticas eficientes de fixação das famílias no campo, não temos bons serviços de capacitação profissional e, sobretudo, não temos uma política de geração de serviços e de renda.

Está dizendo que só dar as coisas às pessoas, sem estimular o desenvolvimento econômico, leva ao acomodamento?

Veja o exemplo de assentamentos rurais, onde a terra é dada às famílias. Alguns desses são completamente improdutivos. Não basta dar as coisas na mãos das pessoas. É preciso criar condições para que se desenvolvam. A integração das bacias no São Francisco é um exemplo de empreendimento que pode ser muito útil, favorecendo os pequenos produtores que ficarão ao redor dos canais.

Concorda com a crítica de que as políticas sociais ficaram subordinadas à política econômica, que teria favorecido sobretudo o capital financeiro?

Essa subordinação nos deixa numa situação crônica de desconforto. E não falamos isso para derrubar a candidatura do Lula, para deprimi-lo, ou para apoiar este ou aquela partido. A Igreja não faz isso. O que nós queremos são políticas estruturantes, que não durem quatro anos, mas sejam executadas a longo prazo, de forma estratégica, com recursos previstos no orçamento. Sem isso, nunca vamos passar das cartas de boas intenções .