Título: Iraniano sonha com glória atômica
Autor: Maria Teresa de Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Internacional, p. A15

Com um gorro de lã e um ar de indignação, Mohammad Ahmadi apontou para a parede a sua frente. Na parede havia um esplêndido alto-relevo do início da história milenar do Irã - como nação, império ou simplesmente um grupo de pessoas falando a mesma língua. "Estes são armênios", disse ele, referindo-se a três figuras esculpidas, uma delas conduzindo um cavalo. "Eles traziam presentes para o rei do Irã há 2.500 anos. E hoje têm uma usina nuclear."

"Quer ver os indianos?", perguntou ele, indicando uma coluna mais baixa. "Eles não tinham sapatos. Hoje têm nove usinas nucleares." E acrescenta: "Não sou muito político. Só concluí o ensino médio e não tenho grandes conhecimentos. Mas, se penso assim, imagine como pensam os outros."

Se ainda resta alguma dúvida de que os iranianos apóiam seu governo no esforço para explorar o átomo, a resposta surge rápida e enfaticamente em Persépolis, com suas ruínas simbolizando o antigo orgulho e a desvanecida glória que acompanham a questão nuclear no Irã. Os iranianos comuns apóiam esmagadoramente as ambições nucleares de seu país, e mostram entrevistas e pesquisas. O apoio é enraizado na população de 68 milhões, sobrepondo-se a diferenças de educação, de idade e, mais significativamente, de opiniões sobre o regime fundamentalista - que, segundo o governo americano, quer usar o programa energético como fachada para o desenvolvimento de armas atômicas.

"Veja toda essa civilização", disse Mehrdad Khanban, de 23 anos, abrangendo com um gesto os altos pilares e as escadarias grandiosas desta cidade de pedra fundada em 518 a.C. por Dario, o Grande, no sul da então Pérsia. "O que George W. Bush tem? E ele ainda diz aos iranianos o que fazer?"

Entrevistas com iranianos que visitavam as ruínas num feriado indicaram o tamanho do desafio diante das potências ocidentais decididas a congelar o programa nuclear do Irã, reativado no mês passado. Autoridades européias e americanas manobram para levar o Irã ao Conselho de Segurança da ONU, que poderia impor sanções. Mas essa ameaça não tem efeitos visíveis por aqui.

"Podemos lidar com isso", disse Khanban, dando de ombros. Técnico de futebol em Karaj, perto de Teerã, Khanban disse não ser fã dos clérigos que comandam o país ou do presidente linha-dura Mahmud Ahmadinejad. Mas ele fez distinção entre o governo do Irã e a ambição iraniana de produzir energia nuclear. "Há muita gente que não gosta do governo de jeito nenhum", disse Khanban. "Mas essas pessoas não querem o país governado por estrangeiros, como o Iraque."

Muitos iranianos também sublinharam que seu entusiasmo é com a energia nuclear, não com armas. "Realmente a queremos. Todo país deveria tê-la. Mas não acho que ela deva ser usada para fins militares", disse Parisa, de 28 anos, que vinha de Shiraz, nas proximidades. Ela não quis revelar o sobrenome depois de criticar o governo. "Todos que conheço dizem querer (a energia nuclear), mas para fins pacíficos." As abundantes reservas de petróleo e gás do Irã um dia vão se esgotar, prosseguiu ela, acrescentando que, de qualquer modo, o petróleo fez pouco pelo povo. "É magia negra." As estatísticas mostram que a situação dos iranianos comuns é pior que há 30 anos. E muitos vêem o investimento em tecnologia, incluindo a pesquisa nuclear, como a retomada do desenvolvimento que se desacelerou no país nas últimas décadas.

"Neste lugar, você vê que, há 2.500 anos, os iranianos eram muito avançados, mais que outros povos", disse Abolghasem Fotoohi, um engenheiro de 32 anos de Mashad, leste do Irã. "Qualquer iraniano gostaria de ver o país melhorar, para que não precisássemos dos outros."

A mudança do civil para o militar ocorreu facilmente, pelo menos na conversa. "Veja, Israel tem muitas (armas nucleares)", disse Mohsen Seddighi, carregando a filha nos ombros. "E até Jacques Chirac está dizendo que, se algum país atacar (a França), vai usá-las. Então por que não deveríamos tê-las?" Na companhia aérea doméstica em que ele trabalha, "99%, até 100% das pessoas, estão juntas nisso", afirmou. "Para uso civil."

TRADUÇÃO DE ALEXANDRE MOSCHELLA