Título: 'Salvaguarda é um preço razoável a pagar'
Autor: Adriana Chiarini
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2006, Economia & Negócios, p. B8,9

Botafogo, ex-embaixador na Argentina, defende acordo e diz que é hora de rever o Mercosul

O acordo fechado esta semana entre o Brasil e a Argentina, criando a possibilidade de salvaguardas contra exportações excessivas de um país para o outro, "é um preço razoável a pagar para preservar um mercado com tarifa zero e em crescimento de 8%". A opinião foi dada pelo presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-embaixador do Brasil na Argentina, José Botafogo Gonçalves, em entrevista ao Estado.

Botafogo concorda com as entidades industriais brasileiras que criticaram o chamado Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC), criado pelo acordo, em um ponto: "O mecanismo não é consistente com o Tratado de Assunção (que criou o Mercosul)".

Ligado à história do bloco pelas várias funções que desempenhou envolvidas com o Mercosul, Botafogo acha que é hora de renegociar os termos do Tratado, no sentido de liberar mais o comércio entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

"Depois de 15 anos, está na hora de rever tudo. As normas do Tratado de Assunção estão muito fragilizadas. Os quatro sócios têm desrespeitado as regras, inclusive o Brasil."

CONTEXTO

Botafogo acredita que o Mercosul precisa de maior institucionalização e autoridades supranacionais. Por exemplo, na área sanitária. "A febre aftosa pipoca em um país do Mercosul e os outros se fecham. Isso prejudica os quatro", disse Botafogo.

Para o embaixador, o crescimento de um país do bloco, como a Argentina, é benéfico para os demais, e é nesse contexto que deve ser visto o MAC. "O Brasil nunca vendeu tanto para a Argentina. A Argentina está crescendo e o Brasil está se beneficiando com isso. Há setores em que o Brasil tem mais de 50% do consumo argentino. Atenção: não são 50% das importações, são 50% do consumo. É muita coisa."

Estão nesse caso os setores de fogões, refrigeradores e compressores, entre outros que podem vir a ter suas exportações restringidas pelas salvaguardas.

NÃO PASSA DE 5%

Botafogo observa que o conjunto de setores que podem ter suas exportações restringidas pelo mecanismo "não passa de 5% do comércio bilateral". "Os outros 95% vão continuar tendo acesso com tarifa zero a um mercado em forte crescimento." Lembra que as salvaguardas só serão usadas mediante consultas prévias ao setor privado.

Ex-ministro da Indústria, Comércio e Turismo do Brasil, Botafogo diz que procede o argumento argentino de que a indústria daquele país está fragilizada e o Brasil deve ajudar para que se fortaleça. "A Argentina tem sido competente em destruir a própria indústria", afirma, em tom irônico.

Nos últimos dias, o acordo que criou o MAC foi criticado por entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) e as federações das indústrias dos Estados de São Paulo (Fiesp) e do Rio de Janeiro (Firjan). O ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia disse em nota assinada por ele, em nome da Firjan, que o acordo "representa um dano irreparável" ao Mercosul.