Título: O círculo da pobreza
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2006, Notas e Informações, p. A3

É possível que o novo estudo do Banco Mundial (Bird) sobre a pobreza na América Latina tenha sido considerado enfadonho por pessoas que conhecem os renitentes problemas sociais e econômicos da região. Afinal, têm sido tão freqüentes os estudos de instituições internacionais sobre essa questão, que mais um provavelmente não acrescentaria grande coisa ao que já se sabe. No entanto, o estudo do Bird contém um enfoque inovador, que, se bem entendido pelos governos, pode ter efeitos melhores do que os observados nos últimos anos, e que têm sido frustrantes, nos planos social e econômico.

A pobreza, como se sabe, está estreitamente vinculada ao baixo ritmo de crescimento e, por isso, sempre que se fala em combatê-la, o que se propõe é acelerar o desenvolvimento. O estudo do Bird, intitulado Redução da pobreza e crescimento: círculos virtuosos e círculos viciosos, procura examinar uma questão ainda pouco estudada: a de que a pobreza, além de ser conseqüência do baixo desempenho econômico, talvez seja também uma de suas causas.

É essa hipótese que justifica o círculo vicioso no título da publicação. O baixo crescimento gera maior pobreza e maior pobreza, de sua parte, provoca crescimento lento. A conclusão que se extrai daí justifica a outra parte do título: o ataque à pobreza com programas eficazes e amplos resulta em maior crescimento, o qual, por sua vez, reduz a pobreza, daí surgindo o círculo virtuoso.

São conhecidas as causas da reprodução da pobreza na América Latina ao longo de gerações, e que tem retardado seu progresso: acesso limitado dos pobres ao crédito, o que lhes tolhe a capacidade de ascensão; a saúde precária que lhes reduz a produtividade e os condena a ter renda baixa; a pouca escolaridade e a má qualidade do ensino que tolhem oportunidades; e o temor de assumir riscos, porque as perdas podem ser pesadas, estão entre essas causas.

O que exemplos práticos têm mostrado é que investimentos - "inteligentes", como ressalva o estudo do Bird - nos pobres podem conduzir ao desejado círculo virtuoso. Por isso, sugere o Bird, esse tipo de aplicação deveria estar no centro da preocupação dos governantes.

São conhecidas também essas aplicações inteligentes. Programas destinados a oferecer maior acesso à educação, da melhor qualidade possível e de maior duração, e de melhores serviços de saúde e saneamento para a população mais carente têm produzido resultados notáveis na redução da pobreza. Em alguns países, porém, como ressalva o trabalho do Bird, programas patrocinados com recursos públicos beneficiam mais quem menos precisa do apoio do governo. Entre esses programas, o estudo cita os subsídios às aposentadorias de valor elevado, ao ensino superior e à energia.

Em determinados casos, políticas necessárias podem tornar-se, temporariamente, prejudiciais para os pobres. O Bird cita o caso da abertura comercial, que estimula o crescimento, mas pode afetar o rendimento dos mais pobres. Não se trata de impedir a abertura, mas de adotar políticas que compensem seus efeitos negativos .

Embora conhecidas, essas ações não têm sido adotadas com eficiência na América Latina, que, em termos de desenvolvimento econômico e social, vai ficando cada vez mais distante de outros países que também têm problemas de pobreza e desigualdade social, mas os enfrentam de maneira adequada. Otimista, o Bird afirma que, para a América Latina, a história não é destino. "É certo que a ruptura com a história é difícil, mas não é de nenhuma maneira impossível." Para isso, são necessárias decisões adequadas sobre políticas e sobre instituições.

O estudo do Bird não entra no terreno político, mas o problema é político. A adoção de programas adequados de combate à pobreza e sua gestão eficiente requerem governos competentes e comprometidos com o progresso. Não tem sido fácil encontrar governos com essas qualidades na região.

Este é um tema que não interessa apenas a um determinado segmento da sociedade, pois o "crescimento a favor dos pobres" tem resultados muito amplos. Investir nos pobres, como diz o Bird, é um bom negócio para toda a sociedade, pois resulta em crescimento, cujos benefícios são generalizados.