Título: Camaleônico, peronismo faz 60 anos
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2006, Internacional, p. A16

Há exatamente 60 anos, no dia 24 de fevereiro de 1946, o Partido Laborista (Trabalhista) - que pouco depois começou a ser chamado oficialmente de "Justicialista" e informalmente de "Peronista" - vencia sua primeira eleição presidencial graças a seu fundador, Juan Domingo Perón. Com 52,4% dos votos, Perón derrotava uma ampla coalizão - a União Democrática - que pela primeira e única vez uniu integrantes da União Cívica Radical (UCR), socialistas, comunistas e conservadores. Meses depois, Perón tomou posse e só foi removido da presidência por um golpe de Estado, em 1955.

Esses nove anos foram cruciais para a vida política argentina, que nunca mais conseguiu se livrar da figura de Perón. Embora onipresente, o peronismo é um movimento de difícil definição. Carlos Menem, o presidente que privatizou e seguiu à risca, nos anos 90, o modelo conhecido como neoliberal, é peronista, assim como Néstor Kirchner, o atual dirigente argentino que promoveu o maior calote de dívida externa da história e tem ministros de esquerda.

Dentro do Partido Justicialista, há representantes de todo o espectro político. No Brasil, seria como uma agremiação que reunisse caciques do PFL e membros da esquerda do PT. "A Argentina tem o peronismo como seu grande liquidificador político. Por isso, são peronistas políticos de esquerda, piqueteiros, sindicalistas, neoliberais...Essa é a prova de que Perón absorve tudo", diz o analista político Silvio Santamarina. Nas últimas seis décadas, a mutação do programa partidário foi uma constante e o denominador comum de todas as versões do peronismo foi o pragmatismo na procura pelo poder.

Os peronistas foram os únicos governantes que conseguiram completar seus mandatos. Além disso, nos últimos 60 anos, só os peronistas conseguiram exibir índices de elevado crescimento econômico. Hoje, o peronista Kirchner governa praticamente sem oposição. Para parte do eleitorado, só os pragmáticos peronistas conseguem domar um país turbulento como este.

Depois da queda de Perón, o partido ficou proscrito por 18 anos. Nesse intervalo, os sindicatos peronistas faziam a vida do governo impossível. Em 1973, os militares tiveram que ceder. Perón voltou do exílio, venceu a eleição, mas morreu um ano depois, em 1974. Seu lugar foi ocupado por sua vice e viúva, María Estela Martínez de Perón, mais conhecida como Isabelita, que foi deposta por um novo golpe militar, em 1976.

A redemocratização na Argentina aconteceu na mesma época que no Brasil, nos anos 80, mas o peronismo voltou ao poder apenas em 1989, com Carlos Menem. Em 2002, após a queda de Fernando De la Rúa, da UCR, Eduardo Duhalde - um peronista - foi chamado para governar o país. Na eleição de abril de 2003, o peronismo não conseguiu definir um candidato único e apresentou três (Menem, Kirchner e Adolfo Rodríguez Saá). Há quem aposte que as próximas eleições presidenciais serão uma grande convenção do Partido Justicialista.