Título: AIEA adia votação contra o Irã
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2006, Internacional, p. A24

Agência quer o maior número possível de votos para levar caso ao Conselho de Segurança

VIENA

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) adiou de ontem para hoje a votação sobre o encaminhamento da questão nuclear iraniana ao Conselho de Segurança (CS) da ONU, numa tentativa de ampliar ao máximo o número de votos em favor da medida.

Os 35 membros da junta de governadores da AIEA - agência da ONU encarregada de supervisionar o uso pacífico da energia nuclear - estão reunidos, em caráter de emergência, desde quinta-feira para analisar uma resolução européia sobre o Irã. A grande maioria dos membros, incluindo o Brasil, é favorável ao envio do caso ao CS, como forma de pressionar o governo iraniano a cooperar mais com a AIEA, já que há o temor de que o país tenha um plano oculto para produção de armas atômicas.

Os únicos dispostos a votar contra seriam Cuba, Síria e Venezuela. Segundo um diplomata que falou sob anonimato, a previsão é de que 25 países votem a favor, de 5 a 7 se abstenham e 3 digam não. Há pequenas divergências sobre os termos do documento com os países do Movimento dos Não-Alinhados, daí o adiamento da votação. O Egito quer uma emenda estabelecendo que o Oriente Médio se torne zona livre de armas nucleares. A proposta é alusão ao fato de Israel ser o único país da região que possui armas atômicas, enquanto sobre o Irã pesam apenas suspeitas.

Também há desentendimentos sobre que relatórios e resoluções da AIEA serão enviados ao CS, incluindo um de 2005 declarando que o Irã não estava cumprindo normas para não-proliferação de armas nucleares. Grã-Bretanha, França e Alemanha - os patrocinadores da resolução - , bem como EUA se opõem à exclusão desse relatório.

Ontem o Irã ameaçou de novo retomar plenamente o enriquecimento de urânio - combustível de usinas nucleares - e limitar sua cooperação com a AIEA se a resolução da tróica européia for aprovada. O governo iraniano também deixou claro que, se for encaminhado ao CS, deixará de analisar a proposta russa de realizar o enriquecimento do minério em usinas da Rússia. Essa sugestão de Moscou conta com o apoio dos europeus e americanos, mas até agora não obteve uma resposta positiva do Irã, que insiste no seu direito, assegurado pelo estatuto da AIEA, de desenvolver tecnologia para enriquecimento de urânio.

A produção do combustível nuclear é o principal contencioso envolvendo o programa iraniano. Depois que a AIEA comprovou, em 2003, que o Irã mantinha instalações nucleares secretas, o país passou a ser alvo de um escrutínio severo por parte dos inspetores da agência.

Diante da ameaça de ser encaminhado ao CS, o Irã concordou em congelar seu programa de enriquecimento de urânio e iniciar negociações com a tróica européia sobre uma fórmula alternativa para a produção do combustível de suas usinas nucleares. Também aceitou assinar um protocolo adicional ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), pelo qual permitiu inspeções freqüentes e aleatórias a suas instalações.

Esse diálogo foi enterrado em janeiro, depois que o governo iraniano anunciou a retomada das pesquisas para o enriquecimento do urânio. Agora, o Irã adverte que não permitirá mais as inspeções aleatórias da AIEA em seu território.

O envio do caso ao CS não significa necessariamente que o Irã vá ser objeto de sanções. Por um acordo entre os membros permanentes do CS - França, EUA, Grã-Bretanha, China e Rússia - ficou decidido que a ONU só examinará o caso em março, após a reunião regular da AIEA. Além disso, Rússia e China deixaram claro que não pretendem ir além da pressão diplomática. A Rússia constrói uma usina nuclear no Irã e a China compra petróleo iraniano. Ontem, o embaixador chinês na ONU, Wang Guangya, disse que seu país jamais apoiará sanções como meio de pressão contra o Irã "por questão de princípios" , "porque sempre é o povo quem sofre".