Título: Governo tentará barrar projeto da dona de casa
Autor: Vânia Cristino
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2006, Economia & Negócios, p. B6

O governo vai tentar brecar, na Câmara dos Deputados, a tramitação dos projetos de lei que criam uma aposentadoria diferenciada para as donas de casa e trabalhadores autônomos de baixa renda e acabam com o fator previdenciário, principal mecanismo introduzido pela reforma da Previdência, de 1998, para reduzir o déficit nas contas do INSS.

Os projetos foram aprovados por unanimidade pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, na quinta-feira, em caráter terminativo, o que significa que se não houver requerimento de pelo menos 10% dos 81 senadores, a proposta não precisará ser examinada no plenário do Senado e seguirá diretamente para a Câmara.

A área econômica do governo acha que eles criam um fator de desequilíbrio ainda maior nas contas da Previdência, cujo déficit é estimado oficialmente em R$ 46 bilhões para este ano. Por isso, vai trabalhar pela derrubada dos projetos. Se eles passarem na Câmara, ainda restará a alternativa do veto presidencial.

"É de uma insensatez sem tamanho", reclamou um técnico. Segundo essa fonte, é ilusório imaginar que, abaixando a alíquota, mais pessoas possam contribuir e, com isso, suba a arrecadação da Previdência. Essa é uma das justificativas apresentadas para o projeto para a dona-de-casa."Isso acontece num primeiro momento, mas na hora de o INSS pagar o benefício, o rombo será bem maior, porque o que a pessoa pagou de contribuição não é suficiente para cobrir o pagamento da aposentadoria", disse a fonte.

Pelo projeto, de autoria do senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA), as donas de casa que não trabalham fora vão poder contribuir com apenas 11% para a Previdência para se aposentarem por idade, aos 60 anos, e receberem um benefício de um salário mínimo. O projeto pretende beneficiar donas de casa de baixa renda. A contribuição seria feita por 11 anos e meio, e seria calculada sobre o valor de um salário mínimo.

Hoje, a aposentadoria por idade já é facultada às donas de casa, mas a contribuição tem de ser, no mínimo, de 20% de um salário mínimo. Se ela quiser, pode contribuir com valores maiores. E o tempo de contribuição mínimo tem de ser de 15 anos. Ontem, Tourinho foi à tribuna do Senado comemorar a aprovação de seu projeto. "A proposta foi aprovada no Dia da Mulher e atende a um pedido feito pela marcha das mulheres que estiveram em Brasília", disse. O projeto também reduz de 20% para 11% a contribuição dos trabalhadores autônomos com renda de até 2 salários mínimos. Com isso eles também poderiam se aposentar por idade, aos 60 anos, recebendo um salário mínimo, desde que cumpram 11,5 anos de contribuição (ante os 15 anos atuais).

A preocupação maior do governo, no entanto, é com o projeto do senador Paulo Paim (PT-RS) que acaba com o fator previdenciário, a base da fórmula de cálculo das aposentadorias em geral, por tempo de contribuição. Ele foi instituído em 1998 por lei ordinária, depois que uma reforma constitucional eliminou a regra que determinava o cálculo do valor do benefício pela média aritmética simples das últimas 36 contribuições feitas para o sistema. É justamente essa regra que Paim quer recriar.

O senador considera o fator previdenciário uma fórmula perversa, pois leva em conta, na hora do cálculo do valor do benefício, a expectativa de vida do segurado após a aposentadoria. Isso significa que quanto mais elevada a idade, ou quanto mais for adiada a aposentadoria, mais alto será o valor do benefício. Esse mecanismo induz as pessoas a retardar a data da aposentadoria para obter um benefício maior. Com as pessoas se aposentando mais tarde, o tempo de vida que elas passam recebendo a aposentadoria também se encurta, e o déficit do INSS tende a ser menor. "Só se aposenta com um valor mais alto quem se aposenta na hora da morte", disse.