Título: Médicos evitam as áreas pobres
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2006, Vida&, p. A32

Se são inquestionáveis as vantagens, por que as grandes cidades ainda se encontram tão atrasadas na implantação do Programa Saúde da Família (PSF)? Na avaliação do médico sanitarista Gastão Wagner, são vários os fatores: é difícil convencer médicos a trabalhar em áreas pobres e violentas; há poucos médicos generalistas; o financiamento do Ministério da Saúde cobre apenas entre 30% e 35% dos custos de uma equipe; poucos Estados ajudam a financiar o programa; o modelo, com muitos agentes, é rígido e não permite equipes mais enxutas; a lei define um limite de gastos com funcionários, o que obriga as prefeituras a terceirizar a contratação das equipes; e, por fim, o fato de os governantes estarem acostumados a lidar com a saúde com a ótica da hospitalização.

Conflitos por causa do PSF levaram à queda de autoridades de saúde. Entre elas, o próprio Gastão Wagner, secretário-executivo do Ministério da Saúde em 2003 e 2004. Ele deixou o cargo por discordar do então ministro, Humberto Costa, em relação a diversos pontos, incluindo o PSF. "O programa poderia ser acelerado. Mas, como não é idéia deste governo, fica em segundo plano", disse ele na época. Em São Paulo, quem caiu foi um dos secretários de Saúde da prefeita Marta Suplicy (PT), Eduardo Jorge.

Ele não se conformou com o fato de Marta ter transferido dinheiro do PSF para gratificações dos funcionários da prefeitura. "A prefeitura recusa o ritmo que acho indispensável para atingir as 1.700 equipes prometidas para nós em 2004", afirmou. A promessa até hoje não foi cumprida.

A capital paulista tem 909 equipes, sendo que 187 foram criadas pela gestão José Serra (PSDB). "A cobertura está dentro do esperado", diz Lilian Falcão, coordenadora da área na Secretaria de Saúde. O cardiologista Adib Jatene, ex-ministro da Saúde, cita dados que mostram a importância do PSF. "Em Itaquera (zona leste de São Paulo), a Secretaria de Saúde tinha o registro de sete tuberculosos. Quando os agentes começaram a trabalhar, foram identificados 62. E iam todo dia fazer o sujeito tomar o remédio, porque são vizinhos, os agentes moram na comunidade. O programa é fantástico." Gastão Wagner concorda: "Sem o PSF, o povo perde, a cidade perde e o sistema público de saúde perde".