Título: Em favela do Rio, visita é interrompida por tiros
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2006, Vida&, p. A32

O dentista Rubens Coutinho é coordenador de um módulo do Programa Saúde da Família localizado entre quatro favelas em Bangu. ¿O tráfico não se esconde. Você anda e vê pessoas armadas. É explicito. Só entramos nas favelas acompanhados de agentes comunitários, que são moradores. O respeito é grande por nosso trabalho.

Para o presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze, a violência é uma das dificuldades da prefeitura para colocar médicos no PSF. ¿Além disso, a prefeitura quer pagar a esses médicos o mesmo que aos que trabalham em Copacabana.¿ O Rio tem 110 equipes do Saúde da Família e o compromisso firmado com o Ministério da Saúde prevê chegar a 270 em dezembro. A Secretaria de Saúde não sabe se as metas serão cumpridas. O serviço atende 450 mil pessoas. ¿É muito pouco, chega a pouco mais de 5% da população¿, critica Darze.

A médica Ângela trabalha há dez anos num módulo entre duas favelas cariocas famosas pela violência. Nunca foi impedida pelo tráfico de fazer as visitas domiciliares, nunca foi abordada de forma agressiva, mas já perdeu a conta dos tiroteios que viu.

¿Nessas horas, você se joga no chão ao lado do paciente e espera passar. Quando termina, alguém sinaliza e a gente corre para descer o morro¿, diz Ângela, que prefere não dizer o nome real nem o local onde trabalha.

¿Pior que o bandido é a polícia. Daqui do posto podemos vê-los cheirando com os traficantes, recebendo dinheiro. Quando algo sai do esquema, há o confronto. Não tem hora.¿ Nos dias seguintes aos tiroteios, os pacientes chegam com picos hipertensivos. ¿O problema é que nem sempre temos os remédios necessários. Nem há rede de referência para encaminhar os doentes. Estamos no meio de uma loucura¿, diz ela.