Título: O tédio mata nosso ensino
Autor: Paulo Ghiraldelli Jr
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

Um professor do ensino fundamental ganha , por mês , entre R$ 300 e R$ 800 nas escolas paulistas e paulistanas. Qualquer um que tenha um carrinho de cachorro-quente na frente da escola, não aprovado pela vigilância sanitária, ganha mais que isso.

A vida na escola é insuportável, no Brasil. O aluno adolescente ameaça fisicamente o professor. Se vier a se defender, o professor tem contra ele o juiz, o pai, o delegado, a mãe, o Conselho Tutelar do Menor e, enfim e mais decisivamente, a gangue à que o garoto pertence.

Os prédios escolares, então, são ambientes de "filme catástrofe". Computadores e vídeos, estragados, se existem, ficam empilhados em bibliotecas fechadas. O aluno de nariz sujo e o professor de "chinelo de dedo" se misturam no martírio de um improvável aprendizado de conteúdo que ninguém justifica. O quadro se completa com a venda de roupas e bijuterias - um modo de sobreviver ali.

A estrutura do ensino? As autoridades não estão muito interessadas nisso. A professora sai da escola e, uma vez no transporte coletivo, toda suada, olha um outdoor com a foto do secretário da Educação do Estado de São Paulo. Em vez de encontrar um homem de terno e gravata, preocupado com a calamidade em que se encontra o ensino público, vê no cartaz um garotão com olhar esquisito e uma camisa rosa aberta no peito - com medalhão. Dá para acreditar? Pior: descobre que a pedagogia do dito cujo é a do... Paulo Freire? Piaget? Dewey? Não, não! É a "do amor". O secretário da Educação vende livros de auto-ajuda, livros de biografia da primeira-dama do Estado de São Paulo e, também, sobre a "pedagogia do amor".

E os pós-graduados em Educação? Os mestres e doutores em Educação ficam eufóricos quando algum sociólogo fala horas sobre a crueldade da "globalização" e sobre a desgraça que, segundo tal cartilha, é fruto do tal de "capitalismo". Esse pessoal entra em êxtase quando o sociólogo (o mesmo) acusa o Banco Mundial de querer exercer o "controle da educação do Terceiro Mundo". Essa ladainha, eles, os mestres e doutores, repetem depois em suas aulas na Pedagogia e nos cursos de pós-graduação - há quase 30 anos! E ainda contam que não mudam porque "ainda vivemos sob capitalismo", ou seja, os problemas seriam "os mesmos". No entanto, evitam ler o relatório a respeito dos empréstimos dos organismos internacionais para a educação nos países pobres. Pois, nesse caso, o Brasil é apontado como o país onde os recursos nunca conseguiram trazer os resultados positivos vistos nos outros países que receberam os mesmos empréstimos.

E os formadores de professores do ensino fundamental? Não sabem nem Matemática nem Ciências. Conhecem algo de História? Alguns conhecem. Geografia? Bem, nem há Geografia no vestibular da USP para entrar no curso de Pedagogia, sabiam? E Português? Bom, há vários professores mandando suas dissertações e teses para serem corrigidas por revisores que, enfim, são obrigados a refazer todo o texto. Mas o problema mesmo, sem dúvida, é a Matemática. Eles odeiam a Matemática e passam essa indisposição aos formados em Pedagogia, futuros professores das nossas crianças. Por isso o brasileiro não é "analfabeto funcional", como dizem os estudiosos de hoje em dia, mas se torna com facilidade um preguiçoso mental: não gosta de Lógica e muito menos de Filosofia, quando esta exige rigor de pensamento e raciocínio lógico-matemático. O ódio da garota pedagoga pela Matemática é a base da mentalidade de nosso professorado.

O nosso ensino é apontado nas estatísticas como o pior do mundo. Nos exames mais recentes para verificação de habilidades de compreensão de textos e Ciências, aplicados por organismos internacionais, temos ficado nos últimos lugares, mesmo competindo com países muito pobres, como a Bolívia e o Equador. Mas os nossos gastos com a educação não são diminutos, como dizem por aí, comparativamente com o resto do mundo e guardadas as necessárias proporções.

Todavia, entre todas essas mazelas há uma que determina a impossibilidade de pegarmos um fio da meada para tentar mudar isso. Trata-se da carreira do professor - os méritos da carreira.

No Brasil, o professor do ensino fundamental e médio não pode ser promovido financeiramente por conta de desenvolvimento intelectual, de um modo estranhamente diferente do que ocorre com o professor universitário. Não adianta ele melhorar intelectual e didaticamente, pois isso jamais será avaliado; seu salário não vai subir substancialmente e suas atividades não vão sair da rotina. O professor brasileiro não tem incentivo financeiro, ou mesmo de outra ordem, para crescer intelectualmente na atividade central de sua vida, que é "dar aula". Para ganhar mais ele só tem dois caminhos: a porta da rua ou a porta da sala - ambas para fora. Se não sai da profissão, é para ser diretor de escola ou supervisor de Ensino ou, então, para fazer mestrado e ir para o ensino superior, ou seja, para sair da sala de aula. Ficar na sala de aula e melhorar intelectualmente e, então, ser premiado financeiramente por isso não é uma prática no Brasil. Isso faz da atividade um tédio. Esse tédio mata nosso ensino.

Esse tédio é o que regra uma boa parte de nossa vida, uma vez que gastamos muito tempo sob tal situação, pois, se não somos professores, todos nós fomos alunos. Sendo ou não professores, somos vítimas disso, dessa desconsideração pela vida.

Deveríamos recusar-nos a tal sistema de degradação.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, está lançando (com noite de autógrafos) seu 24.º livro (História da Educação Brasileira, São Paulo: Cortez, 2006) na Bienal do Livro de São Paulo, dia 17, às 19h30, no estande da Cortez. Home page: www.ghiraldelli.pro.br