Título: Veto necessário
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Ao vetar integralmente o projeto de lei aprovado pelo Senado em fevereiro, que autorizava a renegociação de todas as dívidas dos agricultores do Nordeste em condições muito favorecidas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva irritou a bancada ruralista no Congresso. Agora, travará uma luta desgastante para aprovar a medida provisória que editou em substituição ao texto vetado e evitar a derrubada do veto.

Em mensagem ao presidente do Senado, Renan Calheiros, o presidente da República disse que decidiu vetar o projeto "por contrariedade ao interesse público". Nas razões que apresentou para o veto, a área técnica do governo observou que os custos do projeto teriam impacto significativo sobre as contas públicas, afetariam programas sociais e de investimentos e estimulariam, no futuro, outros agricultores a não pagar a dívida que contrataram.

Os argumentos são corretos, mas certamente não comoverão os congressistas que, de tempos em tempos, procuram criar benefícios financeiros para os agricultores à custa do Tesouro Nacional, isto é, dos contribuintes. O projeto vetado é um exemplo típico de como costumam agir esses parlamentares. Ele permitia a renegociação das dívidas de todos os agricultores do Nordeste, oferecendo-lhes prazo de pagamento de 25 anos, incluindo quatro de carência, e juros que variavam de 1,5% a 5% ao ano.

Muitos devedores já tinham sido beneficiados por generosas renegociações aprovadas em 1995 e 1998. Do total de cerca de 900 mil contratos - número estimado pela bancada ruralista -, cuja renegociação se faria de acordo com o projeto vetado, pouco mais de 500 são de grandes produtores, que devem R$ 6 bilhões, de acordo com o líder do governo, senador Aloizio Mercadante.

O projeto autorizava ainda o Tesouro a emitir R$ 7 bilhões em títulos de dívida para bancar a renegociação. Ou seja, numa ponta, o Tesouro aumentaria sua dívida que custa o equivalente à taxa Selic, e, na outra, receberia apenas os baixíssimos juros pagos pelos agricultores. O governo estimou que, como conseqüência desses benefícios, teria perda de R$ 11,7 bilhões, sendo R$ 7 bilhões no Tesouro e R$ 4,7 bilhões no Fundo Constitucional do Nordeste (FNE).

Para compensar o veto, o governo editou a Medida Provisória nº 285, que autoriza a renegociação das dívidas de pequenos e médios produtores rurais do Nordeste, no valor de até R$ 50 mil, contratadas até 31 de dezembro de 1998 com recursos do FNE e ainda não renegociadas. A bancada ruralista estima que, nessas condições, há apenas cerca de 20 mil contratos. Para o Ministério da Agricultura 40 mil agricultores se beneficiam.

A bancada ruralista já tem a estratégia para lutar contra o veto e a nova MP. Tentará, primeiro, derrubar o veto, e já pressiona o presidente do Senado e do Congresso, senador Renan Calheiros, para colocar o tema em votação. Se não conseguir a derrubada, tentará reapresentar o projeto vetado na forma de substitutivo da MP 285, que vem sendo fortemente criticada.

Além de modesta, ela é acusada também de autoritária, pois os agricultores que não renegociarem no prazo estabelecido terão seus débitos inscritos na dívida ativa da União, o que leva ao cancelamento de seu registro na Receita Federal e a inclusão de seu nome no cadastro oficial de inadimplentes, inabilitando-os para qualquer contrato com o governo.

Em ano eleitoral, o governo se envolve numa disputa parlamentar que tende a arranhar sua imagem perante parte do eleitorado nordestino. Mas esse é o preço que ele tem de pagar por causa da maneira lenta com que reagiu aos problemas enfrentados pela agricultura brasileira. A seca destruiu lavouras no Sul, no Centro-Oeste e no Nordeste, mas não houve ação eficaz das autoridades para reduzir o impacto dessas perdas. Só há pouco tempo o governo liberou créditos e verbas do Orçamento para a comercialização da produção. A problemas como queda de preços, dívidas acumuladas e câmbio desfavorável somou-se o da febre aftosa. São fatos que a bancada ruralista invocará para tentar restabelecer os benefícios financeiros que o governo fez bem em vetar.