Título: Petróleo: Ásia espera águas calmas no Golfo Artigo
Autor: Philip Bowring
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2006, Economia & Negócios, p. B13

Os Estados do Golfo Pérsico podem temer o potencial de um Irã politicamente militante, com ou sem capacidade nuclear. Mas eles e seus clientes de petróleo, especialmente a Ásia, que é muito mais dependente do petróleo do Golfo que os Estados Unidos, temem que as preocupações políticas dos americanos possam ser uma ameaça muito maior para a região e sua capacidade de fornecer energia do que é o Irã. No seu discurso sobre Estado da União, o presidente George W. Bush referiu-se à necessidade de os Estados Unidos reduzirem sua dependência de fontes de energia importadas. A suposição que não foi dita foi que o país deseja diminuir particularmente a dependência dos suprimentos do Oriente Médio. Enquanto isso, há pouca gente em Washington descartando uma ação militar contra o Irã.

O discurso e o alarde em relação ao Irã enviaram duas mensagens para o Golfo e seus clientes. A mais imediata, recebida em alto e bom som pelo mercado global de petróleo, é que existe um risco real de uma interrupção do suprimento do Golfo se o Irã retaliar ataques aéreos contra suas instalações nucleares. Certamente, tal ação iria empurrar o preço do petróleo para mais de US$ 100 o barril, nível que prejudicaria gravemente a economia americana.

Mas seria um golpe muito mais forte para a ascendente Ásia. Existe a presunção, e não somente por parte dos críticos, de que os Estados Unidos estão no Golfo para proteger seus suprimentos de petróleo e os interesses de suas empresas. Mas grande parte do hidrocarboneto da região está nas mãos de empresas estatais, e não de multinacionais, e a dependência dos Estados Unidos no petróleo do Golfo é baixa.

Os Estados Unidos importam 60% do petróleo que usam, mas somente 20% disso, ou 12% da demanda total de petróleo, vem do Golfo. Mesmo a dependência da Europa em relação ao petróleo do Golfo Pérsico é de apenas 30%. Em contraposição, Japão, Coréia do Sul e Taiwan importam todo o seu petróleo, do qual 75% vem do Golfo. A Índia importa 75% de seu petróleo, sendo 80% do Golfo. A China importa 35%, dos quais 60% são provenientes do Golfo. A previsão é que Índia e China aumentem suas importações de 8% a 10% ao ano. Teoricamente, esses países poderiam passar a comprar de outras regiões, mas nem a China nem a Índia têm capacidade de reserva para suportar uma interrupção significativa no abastecimento. As conseqüências econômicas de um petróleo a US$ 100 o barril poderão ser também danosas.

A China talvez tenha o câmbio e os recursos orçamentários para amortecer o golpe, porém a balança comercial da Índia já está sob pressão com o petróleo a US$ 60, e seu déficit orçamentário é alto demais para arcar com subsídios ao petróleo. O crescimento econômico de ambos os países depende fortemente dos setores de transporte e energia. Já os suprimentos de gás não são assim tão vulneráveis. O Leste Asiático compra a maior parte do seu gás da Indonésia, Malásia e Austrália.

Mas ainda é vulnerável em comparação com os Estados Unidos, que são quase auto-suficientes, e a Europa, que compra da Rússia e do Norte da África. Tudo isso considerado, fica fácil entender por que os países asiáticos, e particularmente a Índia e a China, estão determinados a manter a questão nuclear do Irã no nível de diplomacia - assim como acontece com a Coréia do Norte.

O rei Abdullah, da Arábia Saudita, deve ter recebido essa mensagem em suas recentes visitas a Pequim e Nova Délhi. A mensagem de longo prazo de Bush para os produtores do Golfo foi esta: precisamos escapar de suas garras. Esta é uma coisa bastante sensata para se dizer aos americanos. Porém o que todos os consumidores mundiais de hidrocarbonetos precisam a médio prazo é de mais produção, e isso só virá com mais investimentos, o que exige níveis de segurança mais altos (e certeza de preço) do que os agora existentes na América Latina e na África, assim como no Golfo. O gás, agora buscado ansiosamente como uma resposta às questões da poluição e do aquecimento global, é particularmente vulnerável. A Rússia tem as maiores reservas, mas prejudicou sua reputação de confiabilidade ao ameaçar o suprimento à Ucrânia. A seguir, vêm o Irã e o Catar, que compartilham um gigantesco campo que se estende de um lado a outro do Golfo. Mas será que haverá investimentos suficientes na dispendiosa liquefação e instalação de navios-tanques se o Golfo é perigoso e o Ocidente está tentando convencer a China e a Índia a isolarem o Irã? A China está recorrendo à Rússia, assim como à Austrália e Indonésia, para obter suprimentos de gás.

A Índia também está investindo na Rússia e espera comprar gás de Mianmar (antiga Birmânia) e de Bangladesh. Porém, tanto a China como a Índia sabem que todas as previsões globais mostram que a expectativa é que o Golfo forneça um parcela cada vez maior de petróleo e gás globais. No caso do petróleo, a previsão é que a participação do Golfo suba dos atuais 25% do total para 35% em 2016 - mesmo que o uso moderado e as fontes alternativas de energia mantenham o crescimento anual da demanda inferior a 2%. Em resumo, os países asiáticos já são o principais mantenedores da orquestra e estão querendo ter maior controle sobre a música tocada. Em última análise, a tendência é que eles ignorem as pressões dos ocidentais sobre o Irã, como fizeram no caso do Sudão. Mas, enquanto isso, produtores e consumidores se vêem diante de preços altos e pouco estímulo para investirem no futuro.