Título: Para Langoni, mudanças na LRF são fundamentais Carlos Langoni ex-presidente do BC
Autor: Sonia Racy
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2006, Economia & Negócios, p. B2

O ministro Antonio Palocci levantou, na semana passada, a idéia de introduzir um redutor na Lei de Responsabilidade Fiscal. Para falar sobre este e outros temas, principalmente da atuação do BC, esta coluna convidou o ex-BC Carlos Langoni.

Aqui, trechos de sua entrevista:

Em jantar com empresários, o ministro Palocci pediu apoio para modificação na LRF. Quer a aplicação de um redutor na lei. O que o senhor acha? Acho fundamental até para reduzir o peso da política monetária no combate à inflação e melhorar a qualidade do ajuste fiscal. Para isso é essencial limitar o crescimento real dos gastos públicos - em particular dos gastos correntes. Se for possível incluir esse limite na Constituição, daremos enorme passo para viabilizar um ajuste sustentado das contas públicas, sem elevação adicional da carga tributária. É também essencial coragem política para, pelo menos, estabilizar nos níveis atuais (elevados, de cerca de 7,6% do PIB) dos gastos com a Previdência. Com essas medidas e o BC independente, a arquitetura macrobrasileira seria muito mais eficiente em termos de alavancar o crescimento potencial.

O BC está errando na dosagem da política monetária? Essa idéia de "sintonia fina" na política monetária - ou seja, o aperto ótimo suficiente apenas para assegurar a reversão das expectativas inflacionárias, com o mínimo efeito negativo sobre a atividade econômica - é teórica e quase impossível de ser implementada na prática. Os bancos centrais muitas vezes erram a dosagem, mas isso só pode ser avaliado a posteriori. No caso brasileiro, acho que o saldo da ação do BC tem sido positivo: a elevação dos juros no último trimestre de 2004 foi fundamental para impedir a aceleração da inflação, especialmente do IGP-M, que voltava para a incômoda faixa de dois dígitos. As expectativas só foram revertidas a partir de junho de 2005. E a flexibilização monetária começou em setembro, quando ficou clara a tendência inequívoca para queda da inflação.

O corte de juros poderia ter começado antes, obtendo-se os mesmos resultados com o IPCA e o IGP-M e mais crescimento? Provavelmente não. O importante é que em 2006 há espaço para a queda gradual da taxa básica. A Selic deverá situar-se em 15% em meados do ano e a inflação deverá permanecer baixa - possivelmente inferior a 5%. O crescimento, por sua vez, será bem mais significativo na faixa de 3,5%/4%, como já indicam os bons resultados da indústria. Não vejo maiores riscos, apesar da alta dos preços nesse começo do ano - explicada basicamente por fatores transitórios.

Qual seria a conseqüência de um menor conservadorismo? É possível medir isso? Os BCs são, por sua natureza, conservadores. No caso brasileiro, trata-se de exigência fundamental pela nossa história de inflação crônica e pela inércia associada à indexação residual dos preços administrados. A falta de independência formal também exige maior dosagem no aperto para obter o mesmo resultado em termos de queda da inflação. Essa fragilidade institucional faz com que o BC esteja vulnerável às pressões políticas, exigindo determinação para manter o rumo e construir credibilidade. Desconfio das autoridades monetárias que são aplaudidas ou têm apoio popular.

Como despolitizar esse tema? O BC independente? O BC independente é uma conseqüência natural das democracias: sua função é exatamente dizer não, obrigando a sociedade a ajustar a demanda agregada às condições de oferta, assegurando a estabilidade. Um exemplo de sucesso é o Fed que combina independência com continuidade e o ainda relativamente jovem Banco Central Europeu independente e multilateral. Considero a independência formal do BC brasileiro a única alternativa para blindar a instituição das pressões políticas de curto prazo e tornar irreversível o compromisso com a estabilidade.

O Brasil poderia crescer mais do que tem crescido? O Brasil tem todas as condições para dar um salto na taxa de crescimento potencial sem modificar a essência da arquitetura macroeconômica atual, duramente construída. Podemos sim crescer mais do que 3,5% ou 4%. A essência da estratégia é melhorar a qualidade do ajuste fiscal, por meio de limites rígidos para o crescimento de gastos correntes, retomada da agenda de reformas, abertura de espaço para a redução gradual da carga tributária e, principalmente, um novo ciclo de abertura da economia, que assegure a expansão sustentada das exportações, reduzindo o nível ainda elevado de proteção de certos setores. A abertura representa um choque positivo ao elevar a produtividade e permitir a queda da inflação com redução dos juros em termos reais. Há também correlação positiva entre abertura e novos investimentos. Seria também uma forma inteligente de corrigir o viés de valorização da taxa de câmbio. Implementada essa estratégia será possível elevar a taxa de crescimento brasileiro para 5%/6%, ou seja, níveis próximos de países como Chile e Índia.

Qual modelo o Brasil deveria seguir: China ou Chile? O exemplo chileno é muito interessante pelo sucesso da transição política do autoritarismo para a democracia, sem alterar a essência da estratégia de desenvolvimento ancorada na austeridade fiscal, estabilidade monetária, abertura econômica e liderança privada. Foi possível elevar a taxa de poupança para 25%/26% do PIB, a maior da região. As eleições ali, já há muito tempo, ao contrário do Brasil, deixaram de ser um plebiscito sobre política macroeconômica. A China é um caso especial de máquina de crescimento, que combina uma taxa elevadíssima de poupança (42% do PIB) e custo baixíssimo de mão-de-obra, com a alavancagem de uma eficiente plataforma de exportações e o impacto de um processo sistemático de liberalização da economia. Há, entretanto, sérios problemas ambientais e de distribuição pessoal e regional de renda, além do desafio de combinar liberdade econômica crescente com um regime político autoritário. Como se vai realizar a transição política chinesa - se de forma suave ou traumática - é talvez o maior desafio da história contemporânea.soracy@estado.com.br"... é essencial limitar o crescimento real dos

gastos públicos. Se for possível incluir esse limite na Constituição, daremos enorme passo para

viabilizar um ajuste

sustentado das contas

públicas, sem elevação adicional da carga

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