Título: Duas dinastias que se aproximam
Autor: Elizabeth Bumiller
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2006, Internacional, p. A17

Tanto Bush quanto Clinton tiveram momentos difíceis, aprendendo a ser humildes e separar a política do pessoal

Quando os Bushs e os Clintons se deram as mãos diante de 15 mil pessoas no funeral de Coretta Scott King na terça-feira, a impressão foi de um momento comovente na vida da nação. Mas como sabiam todos os observadores dessas duas famílias políticas dos EUA, por baixo das aparências havia um drama de ambição, rivalidade, amor e aliança que poderá moldar a eleição presidencial de 2008.

O cenário, um quadro fascinante na celebração de seis horas da vida de King e do poder político da América negra, oferecia camadas complexas de relações políticas e familiares - pai e filho, marido e mulher, presidente e ex-presidente, adversário que virou aliado e primeira-dama que virou senadora e virou provável candidata presidencial.

Esta foi uma das manifestações mais públicas até agora da estranha amizade e mútuas necessidades de duas dinastias que, ao menos na superfície, não têm quase nada em comum. Mas como disse o presidente Bush numa entrevista à CBS News no mês passado, "Bush, Clinton, Bush, Clinton." Bush fez a observação numa conversa esclarecedora com Bob Schieffer, que disse: "Bem, o senhor sabe, se a senadora Clinton se tornar presidente." "Lá vamos nós", completou Bush. "Talvez vejamos isso um dia", prosseguiu Schieffer. "Bush, Clinton, Bush, Clinton", respondeu Bush.

Anteriormente, na mesma entrevista, quando Schieffer observou que Hillary Clinton estava "batalhando muito pela indicação democrata", Bush interrompeu e a considerou "formidável" - uma avaliação amistosa incomum que pode ter sido um dos motivos pelos quais Ken Mehlman, presidente da Comissão Nacional Republicana investiu contra Hillary no domingo, chamando-a de candidata com um "histórico de esquerda" e "muito rancor."

Pessoas que conhecem tanto os Clintons como os Bushs disseram que a observação de Bush sobre a senadora era a visão pessoal mais honesta. Ela refletia a crescente amizade entre Bill Clinton e o pai de Bush e os poderes de uma experiência que apenas cinco homens vivos - os dois Bushs, Clinton, Jimmy Carter e Gerald Ford - compreendem completamente.

"Eles deram este aperto de mão secreto de que ninguém mais sabe", disse o deputado Rahm Emanuel, democrata de Illinois que foi o principal consultor de Clinton na Casa Branca. "Amigos dos dois dizem que o atual presidente Bush e Bill Clinton começaram a se apreciar durante o mandato de Bush, mesmo depois de Bush ter zombado da relação de Clinton com Monica Lewinsky."

"Bush tinha uma aversão pessoal pelo comportamento privado de Clinton", disse Lanny J. Davis, um advogado de Washington que dirigiu o controle de danos da Casa Branca nos escândalos de Clinton e é amigo tanto dele quanto de Bush. "Mas o presidente Bush seria o primeiro a dizer que houve um período de sua vida em que sua conduta pessoal não foi algo de se orgulhar. Assim, ambos tiveram momentos difíceis, aprenderam a humildade e aprenderam a diferenciar a política do pessoal."

Na manhã de quarta-feira, Hillary Clinton havia lançado um amplo ataque à administração Bush por "jogar a carta do medo" do terrorismo para vencer as eleições. Na medida em que Bill Clinton e sua conduta pessoal no cargo se tornaram um problema para Hillary tentar a presidência, referências ao caráter de Bush tornam-se um elemento importante.

Por seu lado, assessores do ex-presidente Bush e de Bill Clinton dizem que os dois foram além das demonstrações públicas na ajuda às vítimas do tsunami e do furacão Katrina para uma genuína amizade.

Em junho, Clinton permaneceu com Bush no retiro do ex-presidente em Kennebunkport, Maine, onde jogaram golfe. Eles também se encontraram uma dezena de vezes no ano passado para reuniões, gravações de TV e refeições privadas.

O ex-presidente Bush também disse a amigos quanto aprecia a deferência de Clinton para com ele. No ano passado, quando os dois fizeram uma viagem de quatro dias pelas áreas atingidas pelo tsunami, Clinton, hoje com 59 anos, insistiu para que Bush, de 81, ficasse com o quarto de dormir do avião Air Force durante o vôo.

"Eu disse, 'você fica lá agora e eu pego a próxima etapa'", disse Bush à revista Time em dezembro. "Acho que ele queria jogar baralho durante a noite toda. Mas ainda assim, isso significou alguma coisa para mim. Sou mais velho, e foi uma cortesia muito grande."

Os membros do staff de Hillary parecem divididos sobre a amizade e os efeitos que pode ter na sua potencial disputa em 2008. Perguntado sobre o que significava politicamente a amizade, Howard Wolfson, um consultor dos Clintons, disse: "Isso me desconcerta. E não impediu o presidente do Partido Republicano de atacá-la esta semana."