Título: Bate-boca desvia debate eleitoral do que interessa
Autor: Lu Aiko Otta, Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2006, Nacional, p. A6

Dificilmente os candidatos aprofundarão discussões importantes nas campanhas porque solução dos problemas implica medidas impopulares

O debate pré-eleitoral tem sido dominado por distorções e manipulações, numa antecipação do que virá quando a campanha começar. Com a discussão resumida à troca de acusações de corrupção ou a um bate-boca sobre qual governo permitiu o surgimento de mais buracos nas estradas, dificilmente se verá um confronto aprofundado sobre questões mais relevantes como, por exemplo, formas de desatar os nós que impedem o crescimento econômico. Ou como melhorar a qualidade das decisões do Legislativo.

Especialistas ouvidos pelo Estado acham que esses temas poderão até surgir na campanha, mas de forma superficial. Dificilmente o eleitor terá uma proposta completa sobre como o candidato pretende resolver esses problemas porque a solução passa por medidas impopulares. "Não podemos ser irrealistas e achar que os candidatos vão discutir temas cabeludos em campanha", afirmou o consultor Raul Velloso.

"Vejo nos discursos dos candidatos uma visão de que para o País se desenvolver basta vontade política para baixar os juros e subir o câmbio", comentou Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda no governo Sarney. "Não é por falta de vontade política ou de perícia que o Brasil não cresce mais, mas porque não consegue se desvencilhar de seu passado nacional-desenvolvimentista e do desastre da Constituição de 1988." O desastre a que Maílson se refere é que a Constituição criou um Estado que, por ser generoso, causou um buraco nas contas públicas.

Pelos cálculos de Raul Velloso, nos últimos dez anos a despesa do governo federal cresceu, em média, 5,8%, enquanto a economia cresceu, em média, 2,5%. Ou seja, o Estado incha num ritmo muito mais rápido do que a economia é capaz de sustentar.

Preocupado com isso, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, pediu aos empresários, durante jantar em São Paulo, uma pressão de fora do governo para que o Congresso aprove uma reforma na Lei de Responsabilidade Fiscal, fixando um limite para o crescimento da despesa pública. A ajuda precisa vir de fora porque o próprio governo Luiz Inácio Lula da Silva, do qual Palocci faz parte, rema na direção contrária. O aumento no valor do salário mínimo de R$ 300 para R$ 350 este ano ampliará as despesas da Previdência Social em R$ 8 bilhões. Só para comparar: o governo gastou R$ 10 bilhões em investimentos o ano passado.

Nenhum candidato vai defender a tese de que as aposentadorias e pensões não devam mais ser reajustadas conforme o salário mínimo, que ele não pode continuar crescendo no ritmo em que está ou que as pessoas devam se aposentar mais tarde. Mas esse é um ponto central do "ajuste fiscal de longo prazo" que tanto se defende sem entrar em detalhes. O rombo da Previdência sextuplicou nos últimos dez anos, passando de 0,32% do PIB em 1996 para 1,92% do PIB em 2005. Essa é uma grande, embora não única, fonte de desequilíbrio nas contas públicas. Por isso a carga tributária não pára de crescer e o Brasil tem a mais elevada taxa de juros reais do mundo.

Maílson acha que a principal dificuldade em ajustar as contas públicas e cortar gastos está em enfrentar os poderosos lobbies no Congresso e fora dele. "Há uma parte do Congresso que só trabalha para os idosos. As centrais sindicais também fazem esse papel, ao defender aumentos para o salário mínimo. O mínimo é importante do ponto de vista social, mas não tanto quanto programas como o Bolsa Escola. É preciso formar coalizão a favor das crianças porque elas são o futuro."

"Um tema que precisa entrar em pauta é como transformar uma política social quase assistencial em política de promoção social", lembrou Adalberto Moreira, professor especializado em Sociologia do Trabalho e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj). "Ninguém pode sustentar 10 milhões de famílias eternamente."

Para ele, outro tema que não está no debate eleitoral é como tornar formais os trabalhadores hoje na informalidade. Eles são nada menos do que metade da População Economicamente Ativa (PEA). "O ataque à ilegalidade não está no debate."

"O tema necessário, mas ausente desta campanha, será a reforma política", disse o ex-presidente José Sarney. "Temos instituições que remontam ao século 19, responsáveis pelo caos político. Mas não há interesse em tocar nesse assunto."

Outra proposta sem chance de ser discutida é a independência do Banco Central (BC). "Vivemos o pior dos mundos porque o BC tem autonomia operacional, mas não o ônus de prestar contas", avaliou Maílson.