Título: A dois dias de data-limite, juízes se recusam a demitir parentes
Autor: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2006, Nacional, p. A4

A dois dias de data-limite, juízes se recusam a demitir parentes Tribunais resistem à norma antinepotismo editada pelo Conselho Nacional de Justiça no ano passado

A partir de quarta-feira, nenhum parente de juiz em até 3.º grau que não seja concursado poderá continuar em cargo comissionado. Nesse dia começará a valer a resolução número 7, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que proíbe o nepotismo. Mas, na prática, a situação é bem diferente.

Familiares de magistrados atingidos pela norma tentam manter-se nos postos à custa de liminares judiciais. No Rio Grande do Sul, a resistência em obedecer à resolução do CNJ é institucional. O Tribunal de Justiça gaúcho não vai cumprir a determinação do conselho. A instituição avalia que o CNJ não tem competência para editar regras como a que veda o nepotismo.

Por esse motivo, o TJ anuncia que seguirá o que determina a Constituição do Estado, que veda a permanência de parentes em até 2º. grau em cargos de confiança. A regra foi incluída em 1995 por meio de uma emenda de iniciativa do Judiciário. A assessoria de imprensa do tribunal disse que o presidente do TJ, desembargador Marco Antônio Barbosa Leal, não quer se manifestar sobre nepotismo. O Rio Grande do Sul é o Estado natal do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do conselho, Nelson Jobim.

Presidente da Comissão de Combate ao Nepotismo da Ordem dos Advogados do Brasil, Vladimir Rossi Lourenço afirma que um levantamento feito pela OAB e por um sindicato de servidores detectou que há pelo menos 86 parentes de juízes do Rio Grande do Sul que deveriam ser exonerados. "Vou encaminhar para o CNJ." Parentes que continuarem nos cargos estarão sujeitos a responder por falsidade ideológica, já que os servidores tiveram de preencher um questionário nos últimos dias dizendo se têm ou não laços familiares com magistrados.

Lourenço tenta ainda convencer o Congresso a votar uma proposta de emenda constitucional para proibir o nepotismo nos três Poderes da República. Amanhã, ele deverá se encontrar com o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), para tratar do assunto. Segundo Lourenço, uma proibição expressa na Constituição seria fundamental para combater a prática. Ele contou que em seu Estado, Mato Grosso do Sul, há uma vedação legal ao nepotismo desde 2002. "Existem umas 30 pessoas penduradas ainda."

AÇÃO

As dúvidas sobre a competência do CNJ para editar a resolução deverão ser dirimidas nesta semana. Está programado para os próximos dias o julgamento no plenário do STF de uma ação declaratória de constitucionalidade movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

Na ação, a AMB argumenta que o CNJ tem competência para editar resoluções como a antinepotista. A associação sustenta ainda que a proibição ao nepotismo é uma regra baseada nos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa.

A expectativa no Judiciário é de que a maioria dos ministros do Supremo se colocará a favor da resolução do CNJ. Se a previsão se confirmar, o resultado do julgamento fará as liminares favoráveis a parentes de juízes perderem a validade.

O total de pessoas atingidas pela vedação será conhecido somente em semanas, já que não há ainda informações consolidadas. Mas a previsão é de que milhares de familiares perderão o emprego. Na Bahia, por exemplo, um levantamento preliminar feito pelo tribunal identificou 149 parentes de juízes ocupando cargos de confiança. Segundo a assessoria do TJ, não há registro de liminar concedida para garantir a manutenção dos familiares nos postos.

No Rio Grande do Norte, a situação é bem diferente. Quase todo mundo que seria atingido pela resolução conseguiu liminar. Até sexta-feira, a Justiça Estadual havia determinado a permanência de 84 dos 115 parentes de magistrados. O presidente do TJ, Amaury de Souza Meira Sobrinho, determinou a exoneração de todos os que não estão amparados por liminar.

MINISTÉRIO PÚBLICO

São tantas as dúvidas sobre o alcance da resolução número 1 - que proíbe nepotismo nas promotorias - que o Conselho Nacional do Ministério Público decidiu preparar um "enunciado administrativo" para esclarecer a norma que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de membros do MP.

O prazo que o conselho deu para as demissões terminou em 13 de janeiro, mas na prática não funcionou porque muitos alegaram não compreender exatamente os termos da resolução.