Título: Uma candidatura no telhado
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2006, Nacional, p. A6

Essa conversa do PMDB sobre o cancelamento ou não das prévias para a escolha do candidato do partido à Presidência da República é típica de quem já está, como dizia Leonel Brizola, costeando o alambrado.

O partido dá sinais implícitos - e logo, logo os dará explícitos - de que vai pular fora do tão celebrado projeto de ter candidatura própria a presidente, firmar a identidade pemedebista e abandonar a condição de coadjuvante eterno do poder alheio.

Mesmo o presidente do PMDB, Michel Temer, quando defende a manutenção das prévias abre a possibilidade de "mais à frente" se rediscutir a conveniência de lançar um candidato, a depender das circunstâncias.

Quer dizer, a candidatura já se encontra sob condicionantes. A tal firmeza de convicções partidárias subiu no telhado e, de lá, não demora segue rumo ao chão. Quando fala em "independência", ao negar a possibilidade de o PMDB se aliar ao PT ou ao PSDB, Temer está refletindo a ausência de condições objetivas - sendo a falta de unidade a principal delas - do partido para tomar uma posição, seja ela fincar pé no plano do vôo solo ou se assumir como força aliada a uma ou a outra banda do espectro político bipartidarizado do cenário atual.

Independência, no caso, é sinônimo de cada um por si.

A alegação de que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral transferindo a regra da liberdade total nas coligações para 2010 cria um fato novo e, portanto, justifica uma alteração de planos, não resiste à luz da realidade.

Quando o PMDB decidiu instituir as prévias e fazer da candidatura própria profissão de fé, a norma da verticalização estava em plena vigência.

Exatamente como manda agora a Justiça Eleitoral. A regra que vigorava lá, vigora cá, o que retira do argumento do "fato novo" qualquer sentido. A menos que alguém nas altas esferas pemedebistas tivesse recebido alguma informação (falsa, viu-se) de que, uma vez derrubada a uniformidade das alianças no Congresso, a Justiça avalizaria a posição.

Frustrada a expectativa, agora argumenta-se que é melhor rever os planos, pois, preso ao formato da aliança no plano nacional, o PMDB tenderá a abandonar seu candidato. Só assim os candidatos a governador, deputado e senador poderiam viabilizar as próprias eleições.

A respeito de fortalecer a opção partidária e seguir com ela até o fim, a bordo de um projeto de país com começo, meio e fim, não há cogitações em cena.

Nesse cenário, o cancelamento ou a manutenção das prévias é um dado irrelevante, pois, seja qual for o resultado e ainda que o PMDB aprove a candidatura própria na convenção de junho, ela não será para valer.

Na defensiva

O PSDB, tudo indica, chegará a uma solução baseada no risco menor. A decisão de cúpula ontem apontava para a escolha de Geraldo Alckmin para a candidatura a presidente e José Serra para o governo de São Paulo.

Tudo para tentar ganhar a Presidência e, ao mesmo tempo, assegurar o governo paulista. Se for isso mesmo, o PSDB terá se decidido pelo jogo defensivo.

O partido estaria liberado para optar pelo candidato mais competitivo - e, na avaliação interna, pronto e acabado do ponto de vista de um projeto presidencial - se em 12 anos de poder em São Paulo tivesse conseguido produzir ao menos um candidato competitivo à sucessão de Alckmin.

O arranjo, caso confirmado, mantém a linha de coerência do tipo de oposição que o PSDB adotou nesses três anos, embora contrarie o apelo à "coragem de ousar" feito semana passada pelo ex-presidente Fernando Henrique.

Carona

O deputado Chico Alencar acha que seus pares se miraram no exemplo da subida dos índices de popularidade de Lula quando agiram com destemor às conseqüências e absolveram Roberto Brant e Professor Luizinho. Como quem diz: se o público perdoou o protagonista, os coadjuvantes teriam também direito à inocência.

Alencar, no entanto, estabelece uma diferença desfavorável aos parlamentares no tocante ao humor do eleitorado: "Para efeitos externos, Lula descolou-se dos malfeitos; exonerou ministros, declarou-se traído e os Silvas generosos deste país acreditaram no Silva que chegou lá - um dos seus. Já conosco não haverá essa boa vontade."

Esperança

O presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral, está confiante na preservação do sigilo das informações repassadas sob reserva pelas autoridades norte-americanas sobre as contas de Duda Mendonça, mesmo depois do depoimento - provavelmente a portas fechadas - do publicitário na próxima quarta-feira à CPI.

Para Delcídio, os deputados e senadores participantes da sessão serão os maiores interessados em manter o compromisso firmado com os americanos para não ferir a credibilidade da comissão e do próprio instrumento da CPI. Pode até ser, embora não deixe de ser uma visão idílica da vida como ela é.