Título: A surpreendente e obstinada cruzada pela candidatura
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2006, Nacional, p. A5

Nos três meses de duração de sua campanha para ser o candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin apertou mãos em 33 cidades de 23 Estados - só não esteve em Roraima, Rondônia, Pará e Amazonas. Apareceu feliz da vida em 42 programas de televisão - 7 deles em cadeia nacional. Foi visto chupando picolé de chuchu, sentado em posição de ioga nos jardins do Palácio dos Bandeirantes, recitando trechos da música Menino da Porteira, dizendo que é baiano no Recife e de certa forma também é paraibano, em João Pessoa. O périplo foi a etapa pública de uma ambição que o governador de São Paulo começou a cevar de forma mais explícita logo depois das eleições municipais de 2004, quando reservou os dias úteis para acelerar a inauguração de obras e conversar com setores do empresariado e os sábados para fazer consultas e ler sobre temas obrigatórios ao acervo pessoal de quem postula o comando do País. Na tarde de ontem, Alckmin venceu sua batalha, ao ser declarado o candidato tucano. E surpreendeu a todos ao se mostrar capaz de tanta obstinação para virar um personagem político com expressão nacional.

A vitória de Alckmin se presta a várias explicações - a principal delas é a de que ele queimou navios para conseguir espalhar seu nome como opção ao pendor inicial da cúpula do partido por José Serra, a ponto de não só tirar do prefeito a prerrogativa de entrar na disputa por aclamação como também de se insurgir contra uma decisão vertical ao insistir pela realização de prévias. Mais agitado do que de costume - com jeito mais brigão em particular e maneiras mais brincalhonas em público -, Alckmin contaminou o Palácio dos Bandeirantes com um clima de campanha. Enquanto Serra não dizia se queria ser candidato, o governador e sua assessoria não falavam em outra coisa. Nas últimas semanas, era comum ver seus principais colaboradores às voltas com os planos para as próximas viagens, contatos com líderes regionais do partido e telefonemas para os governadores tucanos. Alckmin não quis deixar dúvidas de que estava pronto para sair do governo até 1º de abril nem mesmo do ponto de vista prático. No início de fevereiro, um caminhão de mudança estacionou na frente do palácio para levar objetos pessoais da residência oficial para o sítio de sua família, em Pindamonhangaba.

Com uma estratégia definida por um amigo como "típica de um médico anestesista que sabe que as coisas podem mudar a qualquer momento" - em alusão à sua formação -, Alckmin trabalhou como um trator para deixar seu nome forte o suficiente para, se preciso, forçar a realização de prévias dentro do partido. E ralou para conquistar o baixo clero tucano. "A candidatura dele foi construída de baixo para cima", define João Carlos de Souza Meirelles, secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, que acompanhou o governador em suas andanças pelo País afora e já avisou que também vai deixar o cargo para ajudá-lo na campanha.

GOLPE CERTEIRO

À frente de um governo com o atrativo de ter em caixa R$ 9,1 bilhões para investimentos, ele conseguiu de saída o apoio unânime dos 22 deputados estaduais e de boa parte da bancada federal do PSDB paulista - uma turma que passou a fazer uma propaganda animada de seus predicados. No passo seguinte, saiu dos limites regionais. E já iniciou a campanha pela sua candidatura, falando para todos os aliados a seguinte frase: "Tenho de trabalhar o partido, porque a decisão vai vir dali." Acabou forçando a cúpula a aceitá-lo no jogo. "Ele entrou em campo e rompeu a visão monocrática do PSDB, que é hoje um partido mais republicano e menos monárquico", diverte-se o vice-governador pefelista Claudio Lembo, que agora vai comandar o Estado por nove meses. Adversários do governador dizem que, na prática, ele não conseguiu nenhum apoio das bases tucanas que não poderia ser rapidamente revertido para José Serra - mas ninguém nega que ele deu um golpe certeiro ao tirar do prefeito a possibilidade de sair candidato por força de um clamor coletivo.

O êxito de Alckmin não pode ser reduzido ao que ele fez para vencer - se deve também ao cálculo político que decidirá o futuro do PSDB e suas opções de jogo contra a ameaça da volta do PT em São Paulo. Mas o governador entrou em campo animadão, disposto realmente a emparedar Serra. Às dezenas de líderes regionais com quem conversou, por exemplo, recitou um texto padrão. Contou algumas das mesmas histórias sobre seu passado em Pindamonhangaba - "para descontrair o clima", explica um de seus assessores -, fez perguntas pessoais e repetiu que seu nome seria uma opção natural, porque não representaria perigo para o partido. Ao contrário de Serra, que jogaria todas as fichas de seu futuro político e deixaria o PSDB em situação de risco ao abandonar a Prefeitura para encarar uma disputa dura pela Presidência, Alckmin já está no lucro - o que quer que aconteça. No mínimo, vira um nome conhecido em todo o País.

O governador também aproveitou suas incursões para espalhar a imagem de sujeito boa-praça do interior paulista, médico sem grandes lampejos intelectuais, que não inspira temor reverencial, disposto a ouvir todo mundo - um perfil que o afasta da cúpula do partido, mas o aproxima da base."Ele tem galvanizado as lideranças do partido, que se sentem à vontade para chegar perto dele. Isso em política é importante", diz deputado João Almeida (PSDB-BA), que tem acompanhado o governador em suas viagens. Definido por quem o conhece bem como um sujeito estudioso - "ele é escandalosamente aplicado", diz o secretário Meirelles -, Alckmin embarcava em seus vôos Brasil afora espiando "papers" com informações para os Estados que visitaria. No caminho, torpedeava colaboradores e convidados com perguntas.

EM CONSTRUÇÃO

Na batalha mais importante de sua carreira política, o governador acabou tirando vantagem até mesmo daquilo que costuma ser apontado como um defeito. Por exemplo: Alckmin ouve todo mundo - de desenvolvimentistas a monetaristas -, mas não tem perfil definido. Afinal de contas, como ele acha que pode reduzir os juros e fazer o País crescer? Qual é o seu "projeto de Nação"? "Ele não tem. E ainda bem! Quem gosta de projeto é tecnocrata - e há um monte deles aí no mercado. Os políticos é que são raros", responde o vice Claudio Lembo. "Quem tem de ter um projeto é um partido ou uma aliança, não um candidato. São essas forças que vão compor um programa capaz de viabilizar a governabilidade. Alckmin é o novo", diz o secretário Meirelles.

"Acho que ele tem uma preocupação especial com a questão econômica e vai burilar isso nesse processo todo...", arrisca o deputado estadual Vanderlei Macris, que organizou a viagem do governador à Paraíba, embarcou com ele e voltou se dizendo impressionado com o que define como "rastro de euforia que ele deixa por onde passa". "O Serra era uma expectativa de ministério pronto, porque já sabia o que ia fazer e dificilmente os políticos teriam acesso a isso. O Alckmin, por ser um candidato em formação, é mais acessível. Para alguns políticos, isso é como música para os ouvidos", troca em miúdos um interlocutor freqüente do governador.

No meio empresarial, a tela em branco da candidatura Alckmin - asseguram alguns partidários - é vista com bons olhos. "Para uma parte significativa, o Serra é tão confiante que corre o risco de ser heterodoxo", diz um de seus interlocutores. Ungido candidato, Alckmin quer agora começar sua campanha mostrando os números de seu governo. "O modelo de desenvolvimento que ele aplicou em São Paulo nos últimos quatro anos é replicável em todos os Estados do País", avisa Meirelles.

Além da necessidade de reformas - a proposta preferida de todos os candidatos -, o governador pretende falar de ações de sua administração, como a queda da alíquota de ICMS para mais de 200 itens, como o pãozinho, a progressão da tributação de microempresas e investimentos em tecnologia e infra-estrutura. Em temas nevrálgicos de sua gestão, como a segurança pública, deve repetir o que já vem dizendo: apesar da sensação de insegurança geral, o número de homicídios caiu e o Estado investiu em novos presídios a ponto de ter de guardar criminosos que outros lugares não conseguiam manter, como Fernandinho Beira-Mar. De qualquer maneira, a principal preocupação do governador agora é se cacifar fora do Estado. "No vôo de volta da Paraíba, ele me disse: 'Se for o candidato do partido, me planto no nordeste'", conta Macris.

De agora em diante, ninguém duvida de que Alckmin deva manter sua vontade a toda prova. Mesmo pessoas próximas ficaram surpresas com a voracidade com que ele entrou na briga. Na prática, trata-se de uma luta por sua sobrevivência política - e a grande chance de sair publicamente da sombra de Mário Covas, embora nos bastidores já tenha substituído boa parte dos covistas históricos que restavam em seu governo. Mas, católico a ponto de fazer política recitando salmos, Geraldinho - como era chamado por Covas - gosta de deixar evidente sua vibração religiosa. Costuma dizer, o tempo todo, que política é destino - e que está apenas fazendo a sua parte. "Às vezes essa conversa tem até uma conotação meio missionária", diz João Almeida. "Ele tem uma forte crença no divino e não esconde. E ninguém pode dizer que não é uma boa motivação", afirma Claudio Lembo.

Citar tanto o destino faz sentido à luz da trajetória política de Alckmin - historicamente beneficiado pela mão do acaso que costuma favorecer os vices na crônica política brasileira. Escolhido por Covas para ser seu vice pelo perfil discreto e administrativo, foi candidato à Prefeitura de São Paulo - por insistência do padrinho. Perdeu e voltou para o Palácio dos Bandeirantes. Seis meses depois, Covas morreu e Alckmin assumiu o governo. Foi eleito para a administração seguinte, como uma espécie de responsável pela continuidade do governo anterior. Nas últimas semanas, brigou como se estivesse numa cruzada para, dessa vez, pegar o acaso pelos chifres.