Título: Uma rasteira nos cardeais
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2006, Nacional, p. A6

Geraldo Alckmin conquistou a indicação do PSDB superando a preferência da direção do partido por José Serra, contrariando a lógica da escolha do candidato mais forte, seja sob a luz dos índices das pesquisas ou pela avaliação da biografia administrativa. Foi obstinado e venceu pelo empenho com que foi buscar o que queria.

Até o último momento, o prefeito José Serra manteve a esperança de que seu oponente pudesse desistir e fez o gesto durante dois meses evitado: reiterou de público a vontade de ser o candidato já manifestada anteriormente à cúpula do partido.

O lance, à primeira vista inusitado para quem já tinha indicações da derrota, atendeu a dois objetivos: esgotar todas as possibilidades de desistência de Alckmin e explicitar o que até então se passava exclusivamente nas internas do partido.

"Eu precisava deixar claro qual era o problema", disse José Serra ontem momentos antes do anúncio oficial, ainda sob o impacto de um resultado que, no fundo, não esperava.

O "problema", a ser esclarecido em alto e bom som pela exposição dois dias antes do desejo de se candidatar, era a necessidade de Serra deixar patente que não prosseguiu no projeto de ser candidato porque Geraldo Alckmin se manteve inflexível.

Ele queria agora ser o candidato do PSDB tanto quanto quis em 2002 e continuou querendo em 2004, quando hesitou em aceitar os apelos do partido para tentar impor ao PT a maior derrota daquela eleição municipal e tirar a Prefeitura de Marta Suplicy.

Pesou na decisão de José Serra o risco que o antagonismo criado em São Paulo pela manutenção da disputa entre ele e Alckmin até o limite das prévias, ou mesmo de uma vitória no Diretório Nacional, poderia criar para a trajetória da candidatura propriamente dita.

Mesmo ganhando a indicação no voto, Serra avaliou - numa análise compartilhada com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - que teria uma arrancada "extremamente tumultuada". Começaria a campanha tendo de administrar os atritos paulistas resultantes da preferência do PSDB local e mesmo do prestígio do governador Alckmin junto ao eleitorado do Estado.

Serra evita atribuir responsabilidade a este ou àquele dirigente do partido. Acha apenas que o PSDB foi envolvido num processo inquietante de cobranças e agendas de datas pelo anúncio, que acabou criando um ambiente confuso, dividido e com participações não previstas no roteiro inicial escrito pelos chamados cardeais.

Insistir significaria correr o risco de um racha irremediável no maior e mais importante colégio eleitoral do País.

A despeito da evidente decepção com o desfecho, o prefeito José Serra é incisivo sobre seu comportamento em relação à candidatura de Alckmin: "Vou participar com toda a força."

Independentemente do apoio de Serra, da cúpula, dos governadores e do partido em São Paulo, a tarefa principal a partir de agora está nas mãos de Alckmin, que construiu, não resta dúvida, sua candidatura com as próprias mãos.

E com essas mesmas mãos terá, perante seu partido e o eleitorado, de se mostrar capaz de construir também uma vitória eleitoral. É a parte mais difícil.

Reeleição

Alckmin fechou com a cúpula do partido um acordo antes de ser sacramentado como candidato a presidente. Se eleito, comprometeu-se a ficar apenas um mandato.

Por medida de segurança contra mudanças de planos futuras, a idéia do PSDB é se empenhar pela aprovação da emenda propondo o fim da reeleição ainda este ano.

Novo capítulo

Vencida a etapa inicial da resolução do impasse em torno da candidatura presidencial, o drama tucano promete novo e eletrizante capítulo, desta vez para decidir a questão da candidatura ao governo do Estado.

Não está de todo afastada a possibilidade de José Serra vir a se candidatar ao Palácio dos Bandeirantes. Posto diante do assunto, ele diz: "Hoje não vou pensar nisso", e mais não fala.

Tampouco pronuncia palavra alguma para negar que vai se dedicar ao tema nos próximos 15 dias que o separaram do prazo final para a renúncia ao cargo de prefeito.

Aliados

Digamos que o desagrado não tenha sido tão grande a ponto de inviabilizar a aliança entre PFL e PSDB, mas os pefelistas, notadamente o senador Jorge Bornhausen, não receberam com entusiasmo a indicação de Geraldo Alckmin, pois estavam convertidos ao serrismo.

Diante da escolha, ontem a tese da candidatura própria do PFL no primeiro turno voltou a ser cogitada. Os pefelistas temem pelo desempenho de Alckmin e acham que é melhor não confiar muito na sorte e lançar o maior número possível de candidatos para diluir votos e forçar a realização de um segundo turno.

Neste caso, o PSDB ficaria sem o vice do PFL.