Título: Prefeito desistiu ao prever uma vitória de Pirro
Autor: Ana Paula Scinocca e Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2006, Nacional, p. A6

Depois de surgir na campanha de 2006 como líder das pesquisas, o prefeito José Serra transformou-se numa réplica de Gulliver em Liliputh - gigante imobilizado, sem abrir a boca nem tirar os pés do chão. Serra perdeu para Geraldo Alckmin, um adversário determinado e implacável, mas também foi vencido por suas próprias circunstâncias.

O prefeito não gostou do resultado e deixou isso claro quando decidiu se transformar numa ausência marcante na cerimônia que oficializou a vitória do rival. Ao manter-se no gabinete, Serra emitiu o sinal de que considerava aquela uma decisão do partido - e não dele.

Serra decidiu abandonar a disputa quando descobriu que se participasse das prévias poderia, na melhor das hipóteses, obter uma clássica "vitória de Pirro". Num levantamento informal, nome a nome, seus auxiliares constataram que o atual Diretório Nacional do PSDB, palco da disputa, é composto por uma imensa fatia de militantes e dirigentes alinhados com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, principal padrinho de Serra. Num levantamento regional, chegou-se a uma mesma conclusão. Mas por que ele decidiu não encarar a disputa?

"Porque um conflito nesta situação seria a fórmula segura e quase infalível para uma derrota do partido, com qualquer candidato", diz ele. O raciocínio de Serra é que seria impossível partir para um conflito de vida ou morte contra Alckmin nas prévias e dias depois pedir que lhe desse abraços e beijos no palanque de campanha.

Convidado a fazer um comentário sobre o comportamento do governador, Serra fez uma observação profissional. Disse que Alckmin elaborou e cumpriu a estratégia adequada para vencer - que era impedir que ele próprio fizesse uma campanha.

Interessadíssimo em disputar a Presidência e, simultaneamente, temeroso pela possibilidade de largar o mandato de prefeito pela metade e acabar de mãos vazias no mundo impiedoso da política aos 63 anos de idade, ele passou os últimos meses como um político dividido. "O cérebro do Zé sabia que era necessário ser candidato. Mas o coração tinha receio", relata um auxiliar.

Entre muitos movimentos contraditórios, o prefeito autorizou o vice Gilberto Kassab a reunir-se com secretários de confiança, num esforço para evitar tumultos num eventual processo de transição. Ao mesmo tempo, comportava-se publicamente como se nada estivesse acontecendo. Evitou assumir qualquer responsabilidade pela própria candidatura. Só anunciou a disposição de concorrer quando a guerra já estava decidida.

Ao se manter em silêncio, Serra privou-se de colocar a campanha num terreno que poderia favorecê-lo, o do conflito de idéias, onde tem tanto conhecimento acumulado que a maioria dos adversários evita o debate direto para atacá-lo pela condição de Miss Simpatia ao contrário.

Nos últimos dias, com a disputa quente em toda parte, Serra abriu a agenda para comparecer à pré-estréia do filme Boleiros 2, com direito a bater papo com a platéia de veteranos craques de futebol. Certa noite ficou até 23 horas na Prefeitura, negociando com empresas de ônibus. "Enquanto o Alckmin viajou o País inteiro, Serra ficou cuidando da Prefeitura", observa uma aliada. "Como achar que isso não teria efeito?"

Os amigos lembram que desde os 18 anos, quando era líder estudantil, Serra planeja tornar-se presidente. Fez a primeira tentativa em 2002 e antes mesmo da abertura das urnas, com a derrota já assinalada, produziu uma declaração de quem se achava em condições de tentar uma segunda chance - disse que as promessas de Lula representavam um estelionato eleitoral, pois não seria capaz de cumpri-las.

Ontem, Serra perdeu a oportunidade de voltar ao mesmo palanque para falar de sua história. Pode ficar na Prefeitura e olhar para o horizonte político do País em 2008, quando termina seu mandato. Mas também pode deixar o cargo e disputar o governo do Estado. Ele se dizia cansado demais, ontem, para pensar e decidir a respeito.

Com a vitória de Alckmin, a geração que fundou o PSDB como uma dissidência do PMDB sofreu uma derrota história. Serra era o mais jovem representante dos tucanos que fizeram oposição à ditadura.