Título: MST invade campo experimental de sementes de multinacional
Autor: Miguel Portela
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2006, Nacional, p. A12

Cerca de mil integrantes da Via Campesina - a maioria deles ligada ao Movimento dos Sem-Terra (MST) - invadiram na manhã de ontem o campo experimental de sementes da multinacional Syngenta Seeds, em Santa Tereza do Oeste, a 520 quilômetros de Curitiba. Os agricultores pedem a interdição, o embargo e a autuação da empresa por fazer pesquisas com sementes geneticamente modificadas em área de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu, o que é proibido por lei.

A ação começou por volta das 11 horas. Com carros, caminhonetes, motocicletas e caminhões, os invasores avançaram sobre o campo experimental, sem enfrentar resistência dos funcionários, que foram obrigados a deixar imediatamente o local. Apenas uma equipe de pesquisadores permaneceu, para resguardar os laboratórios.

Após três horas, os agricultores haviam invadido o prédio da administração e se concentrado no portão principal, controlando a entrada e a saída das pessoas. A imprensa não teve acesso ao interior da empresa.

IBAMA

Nilda Ramos Barbosa, uma das líderes do movimento, informou que a ação foi pacífica e é por tempo indeterminado. "A empresa está funcionando irregularmente, por desenvolver atividades de transgenia numa área de preservação ambiental", justificou Nilda.

A Via Campesina cobrou a interdição da empresa pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O campo experimental, de 40 hectares, fica dentro da faixa de 10 quilômetros da área de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu, declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Há uma semana, o Ibama realizou uma vistoria no local - após denúncia da ONG Terra de Direitos - e constatou a existência de 12 hectares de cultivo de soja transgênica.

O plantio foi interditado pelo órgão, que está fiscalizando o entorno do parque. De acordo com o artigo 11 da Lei 10.814/2003, que estabelece normas para o plantio, transporte e comercialização de soja geneticamente modificada, é proibido o plantio de sementes não-convencionais nas áreas de conservação e respectivas zonas de amortecimento.

A Via Campesina quer o fim das atividades do campo experimental e a punição criminal, civil e administrativa da multinacional. As lideranças da Via pedem, ainda, uma resposta urgente do governo federal sobre o assunto, sob ameaça de radicalizarem o movimento, como aconteceu no Rio Grande do Sul, onde trabalhadoras destruíram, na semana passada, um centro de pesquisa florestal da Aracruz Celulose, causando prejuízos milionários.

"Nós não queremos destruir a plantação nem os laboratórios. Isso só vai acontecer em último caso", alertou Nilda.

CRIME

O superintendente do Ibama no Paraná, Marino Gonçalves, disse ontem que o órgão já estava ultimando os processos para embargo total das atividades da Syngenta Seeds em Santa Tereza do Oeste, quando foi surpreendido pela invasão. Estaria em estudo, ainda, a aplicação de multa "por possível ocorrência de crime contra a Lei de Biossegurança". "Provavelmente ela não tem licença ou está fora dos parâmetros da lei", disse.

Em Curitiba, o coordenador regional da Via Campesina e do Movimento dos Sem-Terra, Roberto Baggio, disse que a entidade está aguardando a interdição imediata dos trabalhos da Syngenta. "Será uma ocupação de cunho prolongado, mas esperamos que o governo federal abra as negociações", afirmou. Ele ressaltou que a ação foi pacífica, "como sempre".

Baggio disse que conversou com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, propondo que o Ibama seja destacado para as negociações com os "defensores da biodiversidade". Segundo ele, há indícios de que, além da soja, está sendo cultivado milho transgênico no local. "Tudo o que está lá é ilegal."

Na sede da Syngenta, em São Paulo, foram deixados recados, mas não houve retorno.