Título: Preso cria empresa e emprega 158 na cadeia
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2006, Metrópole, p. C6

Ele vende por mês 1 milhão de peças decorativas, como ímãs de geladeira

O técnico em administração Marcos Antonio de Souza, de 40 anos, realizou em dois anos o sonho de grande parte dos brasileiros: virar dono do próprio negócio e ter sucesso. Mas o que torna a história de Souza especial é o fato de ele ser um dos 1.220 presos da Penitenciária Doutor Antonio de Souza Neto, a P2 de Sorocaba. Toda a produção mensal, de 1 milhão de peças decorativas - a maioria ímãs de geladeiras - sai da P2.

Condenado a 19 anos de prisão, Souza dá emprego a 158 detentos e se tornou exemplo no sistema penitenciário paulista. Até o fim deste mês, o número de empregados chegará a 230 e, se os negócios continuarem no mesmo ritmo, a empresa fechará o ano com 300.

"Tudo o que produzimos é vendido e, se tivesse mais, vendia", diz Souza. O carro-chefe na linha de produção é o enfeite de geladeira - bichinhos, bonequinhos e bibelôs com imãs, feitos com massa de biscuit, que os presos montam, pintam e embalam com muito capricho. Toda a produção é vendida no Brás, na capital.

Souza foi preso em janeiro de 2000, pelo chamado "crime contra os costumes", ou seja, crime sexual. Quando a sentença saiu, em 1999, ele estava bem empregado e morava com a família, mulher e dois filhos, em São Paulo. Cumprindo pena num presídio da região de Itapetininga, começou a ver a família passar necessidade. "Resolvi fazer alguma coisa e comecei com crochê." Fazia bolsas, tapetes e toalhas. Numa revista de crochê, viu enfeites de biscuit e se interessou. Pediu e, numa visita, a mulher levou o material. "Aprendi a fazer, vender, e o pessoal gostou."

Transferido para Sorocaba, Souza procurou o diretor da penitenciária na época, Hugo Berni, e pediu apoio. "Ele me conseguiu uma sala e, na primeira semana fiz 70 unidades."

FUNAP

No ano passado, o negócio se tornou formal. Com o apoio da Fundação de Amparo ao Preso (Funap) da Secretaria de Administração Penitenciária, Souza abriu uma microempresa em nome da mulher e passou a contratar detentos. A Funap aluga mão-de-obra dos presos para empresas. Além de receber até 1 salário mínimo por mês, eles têm desconto de 1 dia na pena a cada 3 trabalhados.

Na P2, cerca de 400 detentos trabalham, segundo o diretor-técnico, Marcelo Ferreira. O presídio parece uma indústria: na oficina para produção de rebolos e abrasivos, presos operam estufas e prensas. Na fábrica de estruturas para móveis, mexem com serras elétricas, soldas e furadeiras. Há ainda uma unidade de produção de canudos para refrigerante. Sem falar na fábrica de blocos de concreto e no viveiro de mudas, que produz 40 mil plantas por mês.

"Embora muitas outras unidades ofereçam trabalho aos presos, a P2 é um modelo, pois todos os contratos são 100% formais", diz o gerente da Funap, José Adão Neres Jesus. A marcenaria, onde presos operam serrotes, martelos, serras de lâmina e máquinas de pintura, é uma extensão da "fábrica" de Souza. Ali são feitas caixinhas para jóias, caixas de pintura e de costura, tudo com o aproveitamento de sobras de madeira. Souza estimula os funcionários a estudarem: a prisão tem uma escola com 10 professores e 300 alunos e biblioteca com 3 mil volumes - preso que estuda também tem desconto na pena.

Como muitos empresários, Souza não gosta de falar em faturamento. Mas diz que a vida da família mudou para melhor. "Até tive mais dois filhos." Também não conta mais as horas na prisão. "Trabalhando tanto, o tempo passa rápido." Ele já cumpriu 7 anos da pena e sabe que logo vai sair. Mas não se afastará do presídio. Até pediu à mulher para escolher uma casa perto da P2. "A empresa vai continuar aqui, e eu também. Só vou sair para dormir."