Título: Pobreza é tema de eleição em Israel
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2006, Internacional, p. A9

O principal tema da campanha israelense continua sendo o da segurança, mas os políticos não vivem mais só de promessas de paz com os palestinos. Pela primeira vez, eles também prometem atacar outro grave problema: o aumento da pobreza no país, cada vez mais visível nas ruas das grandes cidades e, principalmente, em vilarejos do interior.

De cada dez famílias israelenses, duas vivem abaixo da linha da pobreza. São 1,5 milhão de pessoas que não ganham o suficiente para comprar uma cesta de alimentos, pagar uma moradia básica e transporte. Hoje em Israel, o valor que divide quem está acima e abaixo da linha da pobreza é de US$ 400 por indivíduo, mas aumenta de acordo com o tamanho da família.

O problema da pobreza ganha outra proporção quando se olha para trás. Em 1990, 15% das famílias eram consideradas pobres. Hoje são 20%. No caso das crianças, o percentual atual é ainda mais assustador: uma em cada três (34%) é pobre (mais de 700 mil).

Em alguns momentos da campanha, que acabou ontem, o tema social chegou a ultrapassar o da segurança. Com a vitória do Hamas nas eleições palestinas, no entanto, acabou caindo para segundo lugar. Para ativistas sociais, essa troca é um erro. A maior ameaça contra Israel, dizem eles, é a desigualdade econômica dentro do próprio país.

A economia israelense cresceu 5,7% em 2005 e o desemprego caiu do recorde de 10,7% em 2003 para 8,7% em janeiro deste ano. Mas a euforia não chegou às populações carentes, cujo nível de vida contrasta cada vez mais com o de uns poucos empresários e trabalhadores do setor de alta tecnologia. Israel investe 30% de seu orçamento anual em segurança enquanto programas sociais recebem apenas 6%.

Os ativistas festejaram quanto o ex-sindicalista Amir Peretz assumiu a liderança do Partido Trabalhista, em novembro do ano passado, afastando o lendário Shimon Peres com uma agenda política baseada em questões econômicas como o aumento do salário mínimo.

A ascensão de Peretz - comparado por alguns ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva - chacoalhou a cena política israelense e trouxe à tona questões sociais deixadas para segundo plano ou ignoradas pelos principais líderes do país. Até mesmo o primeiro-ministro Ariel Sharon, conhecido como um "falcão'" no trato de questões militares e de segurança, começou a incluir em seus discursos promessas de luta contra a pobreza antes de cair doente.

Ficou claro que nenhum partido conseguiria atrair eleitores, nessas eleições, sem uma plataforma de governo voltada também para o fortalecimento das camadas populares. Nunca tantos políticos visitaram tantas instituições de caridade, refeitórios que servem sopões e ONGs voltadas para a ajuda de famílias carentes.

Para o pleito de amanhã, as promessas sociais são inúmeras. O partido que lidera as pesquisas eleitorais, o Kadima, criado por Sharon a agora liderado por seu sucessor, Ehud Olmert, promete acabar com "as conseqüências destrutivas da pobreza para uma parcela enorme da sociedade israelense" com a criação de empregos, da reforma do sistema de saúde, do apoio a pequenas empresas. Olmert também revelou estar estudando instituir um imposto de renda negativo para ajudar famílias de baixa renda.

O Partido Trabalhista, em segundo lugar nas pesquisas mas com grandes chances de ser convidado a participar do próximo governo, propõe o que ele chama de "Mapa Ético" para Israel, que enfatizaria a justiça e a inclusão social. A principal promessa do líder do partido, Amir Peretz, cotado para o cargo de próximo ministro da Economia, é aumentar o salário mínimo dos atuais US$ 700 para US$ 1.000.

"A idéia é aumentar o poder de compra dos israelenses, gerando crescimento econômico e prosperidade para todas as camadas da população", explicou Peretz. Apesar de ser a favor de uma economia de mercado, ele promete proteger empregos, aumentar a aposentadoria e melhorar as condições de trabalho de operários.

O terceiro maior partido, o Likud, é o que menos tem enfatizado a questão social. Há um motivo para isso: o líder do partido, Benjamin Netaniahu, é visto por muitos como o vilão da atual situação econômica.

À frente do Ministério da Economia de fevereiro de 2003 a agosto de 2005, Netaniahu tomou medidas altamente impopulares ao fazer cortes nas aposentadorias e nas verbas destinadas a famílias numerosas e outros necessitados. Agora, está pagando o preço com uma profunda queda de popularidade nas pesquisas.

A política econômica de Netaniahu foi criticada até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Ela teria causado "distúrbios sociais e atrapalhar a formação de uma rede de segurança para idosos e crianças".

Além dos três maiores partidos, outras legendas aproveitam o discurso anti-pobreza para ganhar votos. Partidos religiosos, alguns com ambições de transformar Israel numa teocracia, voltaram suas campanhas para a caridade e a ajuda aos pobres.

Candidatos que representam a minoria árabe no país (15% da população, com metade das famílias vivendo abaixo da linha da pobreza) também se beneficiaram com onda de promessas sociais.

Fora isso, duas novas legendas - nanicas - surgiram para tentar ocupar cadeiras no Knesset (o Parlamento). Uma delas, a Lechem ("Pão", em hebraico), é presidida por um conhecido ativista social. Outra, o partido dos aposentados, prometer elevar a verba para os idosos.

Peretz, pivô da mudança no discurso político nacional, não é visto como um líder experiente o suficiente para negociar com os palestinos ou dar ordens ao Exército em momentos de crise de segurança.

Por tudo isso, o Kadima, de Sharon e Olmert, deve sair como o vencedor das eleições parlamentares marcadas para amanhã.