Título: MP, Procon e até o Congresso fiscalizam e punem propaganda
Autor: Carlos Franco
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2006, Economia & Negócios, p. B1

O Ministério Público Federal, em São Paulo, obrigou a rede de lanchonetes McDonald's a vender brinquedos em separado do McLanche Feliz, nos quais entravam como brindes. Já a Fundação Procon, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, instaurou processos administrativos contra a AmBev e a Unilever por campanhas publicitárias da cerveja Skol e da maionese Hellmann's. O Congresso Nacional, por sua vez, quer disciplinar a propaganda de bebidas e de produtos voltados à criança, enquanto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde, faz pressão contra a publicidade de bebidas alcoólicas.

Em todas as situações, esses órgãos estão deixando surpresos publicitários e empresas. O presidente da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap) e da Carillo Pastore Euro RSCG, Dalton Pastore, resume o que passa pela cabeça de publicitários e anunciantes: "Há um excesso de fiscalização na publicidade brasileira, que já foi considerada uma das mais criativas do mundo e hoje está mais comportada que a inglesa e até a francesa." Em todos os casos, diz Pastore, esses órgãos parecem ignorar o Código e o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, o Conar. Desde 1980, o Conar já julgou cerca de 4,8 mil casos e permite aos consumidores registrar, em tempo real, suas reclamações quanto à propaganda no seu endereço na internet (www.conar.org.br) e em telefonemas e cartas.

Mais: o Conar criou regras tão duras para a propaganda de cervejas que acabou alvo de críticas do Clube de Criação de São Paulo. Tanto que o projeto apresentado pelo presidente do Conar e diretor da TV Globo, Gilberto Leifert, sobre a publicidade no segmento de bebidas alcoólicas foi aprovado pelo Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. O que, de certa forma, se traduziu em alívio para veículos de comunicação, anunciantes e agências de publicidade.

Já sobre as ingerências do Procon-SP , Leifert explica que o País "adota o chamado sistema misto de controle da publicidade, em virtude do qual os anúncios devem obediência às leis, notadamente ao Código de Defesa do Consumidor, e ao Código de Auto-Regulamentação Publicitária." Portanto "os órgãos de defesa do consumidor, como os Procons, têm autoridade para coibir publicidade enganosa, ofensiva e abusiva." Só que os processos que instauram permitem o direito de defesa e recurso na Justiça.

Leifert complementa que "a instauração de um processo pelo Procon ou pelo Conar não significa, necessariamente, que o anunciante tenha infringido a lei e será condenado, ou que a veiculação do anúncio terá de ser suspensa".

OFENSIVA

A diretora-geral do Procon-SP, Eunice Aparecida Prudente, diz que reconhece e respeita as atividades e ações do Conar, "tanto que seu código é motivo de referência para ações do Procon". Mas garante que o órgão continuará a fiscalizar e a abrir processos que podem resultar em autuação monetária de empresas toda vez que a publicidade "for ofensiva ao consumidor, desrespeitando sexo, religião e valores sociais".

É assim que Eunice defende sanções à campanha "Musa", da cerveja Skol, da AmBev, criada pela agência de publicidade F/Nazca, e à campanha "Canibal Vegetariano", da Maionese Hellmann's, da Unilever, criada pela Ogilvy Brasil. "A campanha da cerveja trata a mulher como objeto", alega. A campanha mostra a atriz Bárbara Borges, musa do verão de Skol, sendo reproduzida em material de ponto-de-venda, que é carregado com satisfação pelos funcionários da cervejaria.

Eunice não ignora que o uso de cartazes gigantes, com personagens recortados, é prática antiga, que vem da década de 40 e que foi usada pela indústria cinematográfica, que levava para as portas de cinemas recortes de astros como Marilyn Monroe. Nem considera ofensivo o mesmo uso que o banco Santander hoje faz de jogadores da seleção. Mas diz que, no caso da Skol, "há um exagero, uma conotação sexual, um tratamento que não é condizente e respeitoso com a mulher".

No caso da maionese, onde uma tribo de africanos canibais vira vegetariana depois que descobre Hellmann's, Eunice vê tratamento racista. "O negro quase não é retratado na publicidade e quando o é, isso ocorre de forma preconceituosa, que reforça estereótipos contra os quais lutou durante décadas. A publicidade é uma fonte de informação e não deve ser usada para reforçar preconceitos".

A Unilever, empresa que é dona do sabonete Dove, e a Ogilvy, agência que passou a retratar a mulher real nas campanhas do produto, não vêem preconceito no uso da tribo vegetariana, mas apenas humor nessa comunicação do produto.

Já os executivos do McDonald's, rede que conta com 1,2 mil pontos de venda (incluindo lanchonete, quiosques e McCafés) e 34 mil funcionários no País, ficaram surpresos com a decisão do Ministério Público, em São Paulo, de obrigá-los a vender brinquedos. O MP alegou que muitos pais se viam obrigados a comprar o lanche por causa do brinquedo e determinou que estes fossem vendidos em separado.

O McDonald's se comprometeu a acatar a decisão, mas pediu prazo até dezembro pois, explicou um executivo da rede, será necessário treinar funcionários e realizar encomendas diferenciadas para ofertar os brinquedos em separado.

A medida deve atingir outras redes, e alguns empresários já pensam em retirar o brinde do cardápio. O brinde do McLanche Feliz é entregue desde 1983 e faz parte da estratégia de marketing da rede, que vende 40 milhões de unidades do McLanche Feliz por ano. Dalton Pastore acredita que, ao começar a vender esses brinquedos, o McDonald's deverá ser vítima de outra fiscalização, desta vez das receitas estaduais e federal, já que o comércio de brinquedos não é sua atividade principal.

Para Roberto Duailibi, da DPZ, é preciso reforçar o papel do Conar, "uma conquista da sociedade e da liberdade de expressão, para que não se prive o consumidor da informação." Ele vê um sério risco nessas decisões à criação publicitária, uma indústria que movimenta US$ 1 trilhão ao redor do mundo, dos quais US$ 10 bilhões no País. Ele condena exageros, mas diz que o Conar tem respondido com rigor a práticas que possam lesar o consumidor ou ofendê-lo.