Título: Embraer encara o desafio de vender aviões dentro do Brasil
Autor: Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2006, Economia & Negócios, p. B10

Ao longo da última década, enquanto os jatos da Embraer conquistavam o mundo, as companhias aéreas brasileiras reclamavam de falta de financiamento em real e dos impostos elevados, que tornavam o produto muito pouco competitivo internamente. A linha de crédito já foi anunciada pelo BNDES e, há cerca de quarenta dias, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, assinou um decreto isentando de ICMS a aquisição, por companhias regulares brasileiras, de aeronaves fabricadas no País. A partir de agora, caberá exclusivamente à Embraer convencer as companhias brasileiras de que suas aeronaves são adequadas ao perfil do mercado doméstico. Mas não será um trabalho fácil.

"Essas medidas foram fundamentais para dar uma equivalência competitiva ao nosso produto", afirma o vice-presidente de Marketing e Vendas para América Latina, Orlando José Ferreira Neto, que acaba de ser promovido ao posto com a missão de conseguir que o santo faça milagre em casa - e também na vizinhança.

Engenheiro formado no Instituto de Tecnologia Aeronáutico, com 22 anos de empresa, Ferreira Neto ocupava antes o cargo de diretor de Inteligência de Mercado. Foi sob sua gestão nesta diretoria que se vislumbrou um nicho de mercado para aviões de 80 a 110 lugares no mundo e que resultou no projeto dos jatos da família EMB 170/190. Os jatos ampliaram o alcance da Embraer, que passou de fabricante de jatos regionais a rival de Boeing e Airbus.

A ênfase na América Latina, que hoje ainda é um mercado pouco explorado pela Embraer, se explica pelas projeções de demanda. Nos últimos três anos, o setor aéreo no continente foi o que registrou a maior taxa de crescimento no mundo, sempre na casa dos dois dígitos. E, até 2025, a Embraer projeta uma ampliação de frota de 465 unidades na faixa de 30 a 120 lugares - equivalente a 6% da demanda mundial, de 7.950 lugares. A China deve deve ficar com 7% dessa demanda total, com 525 jatos. "Vamos brigar para ter, no mínimo, o máximo possível dos 6%", diz Ferreira Neto. "Temos ambição de ser bastante bem representados dentro da América Latina, que é o nosso quintal e onde somos vistos com muito bons olhos em função da tecnologia."

O executivo acredita que o Brasil e a América Latina estão mal servidos em termos de transporte aéreo e que os jatos da família 170/190 têm capacidade para suprir uma lacuna de mercado, na medida em que oferecem um custo operacional menor para vôos de curta distância. "Hoje, 90% das ligações no Brasil e na América Latina são feitas com uma freqüência por dia", justifica.

Na opinião dele, há um espaço que não está sendo explorado nem pela aviação regional nem pela de maior porte: as ligações diretas entre a nata das cidades intermediárias com as grandes capitais. Seu trabalho como vice-presidente de Vendas e Marketing será justamente o de convencer as empresas de que é mais econômico atender essas rotas intermediárias com vários vôos por dia em aviões menores do que fazer as ligações com escalas dentro de um vôo maior, no estilo pinga-pinga, como faz a Gol.

"Promover um produto como o EMB 190 é influenciar, é motivar para que aquele futuro em que você acredita aconteça de fato", diz. "Estamos caminhando a passos largos por um processo já vivido pelos EUA e Europa, cujo resultado é a redução de custos e melhor comodidade para o passageiro."

As grandes empresas, diz, tendem a se especializar em alguns nichos em que um avião de cem lugares se faz necessário. Esse movimento, para ele, será mais rápido do que o crescimento natural das companhias regionais, que ao longo do tempo vão evoluindo de um turboélice para um jato de 50 lugares e, depois, para um de 100 lugares.

Entretanto, a TAM, que já manifestou interesse nos jatos da Embraer, parece ter deixado o projeto de lado. A empresa anunciou no ano passado que até dezembro iria decidir se passava adiante os Fokker 100, que ainda mantém na frota, abandonando por completo esse mercado intermediário, ou se iria substituir os aviões por modelos da Embraer ou da Airbus. O ano terminou e a empresa não falou mais no assunto. "Enquanto o mercado estiver aquecido como está, não faz sentido para uma empresa nacional investir em um projeto de cem lugares", diz um executivo do setor.

A Ocean Air, empresa regional em crescimento que também seria um cliente potencial da Embraer, desistiu pelo preço. Por menos de dois 190, que custa, na tabela, US$ 36 milhões, ela optou por 10 Fokker 100, a US$ 6 milhões cada um.

Com a Varig na situação de crise em que se encontra e a Gol com uma encomenda de 101 jatos com a Boeing, resta apenas a BRA. A empresa já iniciou conversas com a Embraer para a aquisição de 20 aviões do modelo 190. Mas a operação poderia esbarrar em problemas de financiamento, sobretudo por se tratar de uma empresa limitada. "Claro que é mais fácil para uma empresa que está na Bolsa conseguir financiamento. Mas quando se tem um bom plano de negócio, crédito sempre aparece", diz Ferreira Neto.

Enquanto o mercado de aviação comercial nacional ainda está para ser desbravado, na América Latina a Embraer conta com clientes importantes. A mexicana Aerolitoral é hoje a oitava maior operadora do ERJ 145, com 15 aviões na frota e mais 21 opções de compra. Há duas semanas, a AeroRepublica, da Colômbia, anunciou a aquisição de cinco 190, com 20 opções de compra. A Copa Airlines, do Panamá, já fez 12 pedidos firmes do 190 e deve anunciar em breve mais algumas opções. É ela que irá inaugurar o primeiro vôo regular com o 190 em céus brasileiros. Previsto para começar em julho, o vôo ligará Manaus à Cidade do México.