Título: Capital dos móveis se rende aos produtos da China e da Argentina
Autor: Ana Paula Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2006, Economia & Negócios, p. B7

Até pouco tempo atrás, um de cada quatro móveis exportados pelo Brasil saía de São Bento do Sul, no Norte de Santa Catarina. Hoje, a proporção ainda é a mesma, mas os móveis não são mais 100% feitos no Brasil. As empresas têm de importar dobradiças chinesas, placas de compensado argentino e verniz chileno para continuar competitivas e vender para os Estados Unidos e Europa.

Faz cerca de cinco meses que os fabricantes de móveis de São Bento do Sul substituem componentes toda vez que encontram um equivalente mais barato. "Precisamos diminuir os custos com urgência", diz Álvaro Weiss, diretor-presidente da Artefama, maior fábrica exportadora da região, com cerca de 250 contêineres por mês. A pressa vem da concorrência asiática, principalmente chinesa e vietnamita. Com a queda do dólar, os produtos de São Bento do Sul se tornaram menos competitivos - um problemão para o maior pólo exportador moveleiro do País. Hoje, 42,5% do Produto Interno Bruto (PIB) da cidade vêm desta indústria.

Na região de Rio do Sul, não muito longe de São Bento, fabricantes de portas importaram produtos da China para revender a seus clientes. A situação da cidade moveleira ainda não chegou ao fundo do poço, mas está quase. "Ainda não precisamos importar produtos acabados, e espero que nunca precisemos", diz Weiss. "Mas estamos importando quase todo o MDF (chapa de compensado)que usamos, e um pouco da madeira, da Argentina. Os vernizes e colas vêm do Chile e as ferragens da China e Taiwan."

A Móveis Weihermann também substituiu alguns itens de produção, como os compensados. "Estamos estudando trazer ferragens da Ásia. Todas as empresas que têm porte para importar estão trazendo alguma coisa de fora", diz Udo Weihermann, presidente da empresa e do Sindicato das Indústrias da Construção e do Mobiliário de São Bento do Sul. "Em pior situação estão as pequenas empresas, que não conseguem negociar grandes quantidades. Muitas vão fechar, infelizmente."

Weihermann diz que começaram a surgir na região os "atravessadores", pessoas que importam matéria-prima chinesa e a distribui entre as empresas de menor porte que não conseguem importar. "Cada um faz o que pode. Ao menos 90% das empresas estão operando no vermelho só para manter os clientes que ainda têm."

O faturamento das indústrias da região caiu de R$ 56,4 milhões em janeiro do ano passado para R$ 46,2 milhões em dezembro do mesmo ano. No primeiro bimestre de 2006, houve queda de 11,6%. "Nosso faturamento cresceu 16% em dólar em 2005, mas caiu 3,2% em reais" diz Weiss, da Artefama. "E 2006 está sendo uma queda livre de faturamento. Queda de 25% em janeiro e de 26% em fevereiro." Números muito contrastantes com os que se viam até dois anos atrás, quando o faturamento das empresas crescia em média 40% ao ano em São Bento do Sul.

EMPREGOS

A crise no setor se reflete na cidade. Segundo dados do Sindicato das Indústrias Moveleiras da região, pelo menos 12 mil dos 70 mil habitantes do município trabalham direta ou indiretamente na indústria de móveis.

No dia 16 de setembro do ano passado, a lustradora de móveis Leni Buscosque ouviu de um colega de trabalho que a Kombi que os levava até a fábrica onde trabalhavam ia ser desativada por corte de custos. "E como vamos chegar até aqui?", ela perguntou. "Não vamos. Fomos demitidos também", foi a resposta do colega.

"Agora está muito difícil arranjar emprego, pois a cidade não tem muitas opções," diz Leni. Ela fez cadastro em uma empresa de Recursos Humanos e voltou a estudar, pois as poucas oportunidades que surgem exigem o ensino fundamental completo. E reza com freqüência para Nossa Senhora, de quem é devota. "Há tardes que não sei mais pra onde correr e parece que Ela é a única que me ouve."

Assim como Leni, outras 1,5 mil pessoas foram demitidas das fábricas no último ano. Só na Weihermann foram 100 pessoas. Na Artefama, as vagas fechadas não foram repostas e, nos dois primeiros meses do ano, a empresa trabalhou apenas de segunda a quinta-feira.

Na Rudnick, o número de horas extras foi reduzido e algumas linhas desativadas. "Ainda não precisamos tomar medidas drásticas", diz o diretor-comercial da empresa, Cesar Scartezini. "Mas se o dólar continuar em baixa, vamos ter de repensar a estratégia." A Rudnick tem metade de sua produção voltada para exportação e outra metade para o mercado interno. São as vendas no País que mantêm a empresa estável. "Aqui ainda vendemos bem, temos uma certa tradição e ela nos mantém", diz Scartezini.

Weihermann, do Sindusmobil, diz que as empresas moveleiras estão buscando soluções. "A primeira são os cortes de custos. Mas mesmo substituindo materiais é difícil vencer os 40% de diferença com a China", diz. "Algumas empresas estão investindo mais no mercado interno e também buscando mercados novos, porém esse é um processo que leva tempo."

Para ele, a cidade vive um momento de desencantamento. "Éramos uma cidade onde não faltava emprego e os negócios cresciam dia a dia. De uma hora para outra, junto com o dólar, tudo isso desabou."